Foto (composta) roubada do f de António Marcelo
A custo, a tradição de o Madeiro do Natal ser colocado a cada dia 8 de Dezembro no adro da matriz de Toulões ainda se vai mantendo, graças à carolice e à vontade de quem conserva alguma força para ajudar a aguentá-la viva.
Defraudando também as expectativas de alguns gaudiantes “ambientalistas” detractores da genuinidade das tradições, que atropelam com leis cegas o simbolismo desta manifestação cultural (apenas vêem na queima do Madeiro do Natal uma fonte de poluição a libertar, em algumas horas, o carbono armazenado por uma azinheira durante um século), o acolhedor calor do Madeiro irá continuar a aquecer a nossa consoada.
Este ano ainda se cá arranjaram dois rapazes das sortes para representar a tesura desta comunidade envelhecida, a fazer pela vida na extrema oriental da Raia “Esquecida”.
Coube ao filho do Tó General e ao do Paulinho Torres, a incumbência da agilizar logísticas para, apesar de com um dia de atraso, o fazerem chegar inteiro e sem mazelas ao lugar onde na noite de Natal será “apichado” para consolo da população.
Mas se hoje por força das circunstâncias demográficas assim acontece, tempos houve em que os candidatos a mancebos eram tantos que no dia 7, depois da ceia, ao primeiro toque do búzio a marcar a hora de mobilizar, se formavam pelotões como que a querer antecipar a tão ansiada ida à tropa. Em marcha apressada até ao local da contenda, sempre na expectativa de que o azinheiro, previamente escolhido, desse pouca luta, evitando o tardar do seu derrube e antecipando o cerco ao petisco retemperador.
O arranque, a esgalha e o transporte do Madeiro, tendo acompanhado a evolução dos tempos, faz-se agora com recurso a maquinaria moderna (escavadoras, motosserras, tractores). Antigamente essas tarefas eram feitas com trabalho braçal a poder de enxadão de cabo atarracado, de “malho” com o fio bem aguçado e do garrafão quase sempre tresmalhado (este ainda hoje se mantem) para aquecer e dar alento aos manobradores da ferramenta. O transporte até ao povo era feito num carro de vacas, seguindo-se um ritual quase litúrgico, repetido ano após ano.
Findava-se o ano de 1947 que, segundo dizem os velhos, terá sido o ano do maior Madeiro alguma vez descarregado no adro.
A referência a esta data foi dada pelo que resta de uma malta de Toulões, forçuda, naquele ano a folgar do rigor imposto na finda empreitada do canal (rede hídrica de regadio da campina de Idanha) onde entregara o corpo ao trabalho, e então se agarrava ao que houvesse. Neste dia, com a jorna dada à comunidade por força da tradição, todos os meios eram reunidos para ir fazer o serão ao azinhal do Monte Velho em redor de um robusto azinheiro, entroncado como um deus mitológico de Miguel Ângelo.
A noite era de lobos. Uma invernia tormentosa, persistente em ofuscar a luz emitida por uns candeeiros de mão que mal alumiavam fora dos limites da chaminé e em condicionar a agilidade aos contendores, era propícia ao amolecimento da terra, facilitando assim a tarefa do descalce. Só o tamanho das raízes escondidas, que ancoram a árvore à terra, poderia ditar a demora no tombar do madeiro.
Mas se esta chuva incessante, que ensopava a terra e os ossos, ajudava ao desenlace das raízes, ela perturbava grandemente a operação de remoção e transporte do madeiro. Na hora de carregar o descomunal tronco, já uma luz difusa por entre nuvens anunciava o dia, reuniu-se todo o contingente, ali vindo ao que desse e viesse, para empurrar, puxar, rebolar aquele peso morto para cima do carro, entretanto colocado no fundo da caldeira onde a árvore enraizara.
Dois carros, cada qual com sua junta, vieram para o efeito. Um para carregar o madeiro e o outro para levar a lenha que, vendida, iria render o bastante para organizar uma festa de arromba, com tocador contratado e tudo para animar o povo.
E se assim deveria ser feito assim se fez!
Com a força bruta de trinta almas resistentes à chuva e ao frio, o madeiro foi acamado sobre o tabuleiro do carro, atado consolidadamente com um “calabre” e encaixados os “fugueiros”. Jungidas as duas juntas de vacas, uma ao tiro e a outra à frente a puxar com a ajuda dum cambão, a primeira força feita pelos animais mal fez bulir o carro dentro da cova. Mais um incentivo e outra bulidela. Mais outro incentivo e nada, e nada, e não havia meios.
Foi então o tocar a rebate para reunir de novo a massa humana presente que, com toda a pujança proporcionada por um garrafão cheio, arrancara o madeiro. Cada qual no seu posto obedecendo ao comando sincronizado com o esticão dado pelas vacas, em dois ou três impulsos o carro saiu daquela cratera.
Consta que sobre o terreno empapado por entre os azinheiros do montado, dali até apanhar caminho firme onde uma só junta chegaria para puxar, o carro fora levado de cadeirinha por aquela rapaziada, carregado com o madeiro e até levaria o tocador se lá estivesse.
Chegado ao povo, acompanhado em cortejo até ao adro da igreja, aí foi descarregado e colocado. Talvez sem a leveza das figuras postas pelas moças no presépio mas, certamente, com a mesma devoção ao Menino Jesus.