Pormenor de um "cancelão" construído no final dos anos 50.
Todas as peças foram trabalhadas manualmente e a assemblagem foi feita através de rebitagem. Este trabalho, que hoje nos parece tosco, era, à época, considerado de qualidade superior .
Engenho de furar manual com sistema de engrenagem para 2 velocidades. Era uma ferramenta essencial para a execução de serralharias (tipo foto acima). Esta reliquia, que pertenceu ao ti Zé Heleno, está a embelezar o jardim da habitação de um seu familiar.
Em tempos, quando uma intensa actividade agrícola enchia os celeiros do país, mas só dava pão a meio alqueire de gente, com a chegada do São Miguel e o início das sementeiras, o ferreiro não tinha mãos a medir.
O trabalho redobrava. Reparar os arados, em que aguçar rêlhas, substituir aivecas, arranjar os dentes das grades e compor outras ferragens, eram tarefas urgentes, a realizar antes que passasse a maré trazida pelas primeiras chuvas do Outono que punham a jeito a terra para ser esventrada e da qual se tirava um ano inteiro de sustento para família.
Depois, era mais o tempo que passava no tronco a ferrar as vacas de tiro do que na frágua, onde a feitura das ferraduras e dos canêlos havia sido prévia, sabendo, por experiência, da avalanche que chegava nesta época, em que o esforço dos animais e o consequente desgaste das protecções dos cascos era acrescido.
A valentia e a disponibilidade do ti Zé Guardado Campos para o trabalho, era por todos reconhecida. O ti Zé Ferreiro, como lhe chamavam, quando se punha a malhar o metal sobre aquela bigorna de aço, cujo timbre competia com o do sino da igreja quando tocava a rebate, numa chamada do povo da aldeia a reunir para acudir a uma desgraça, em que nos dias da aragem de leste levava o som da emergência a salvar o Cabeço dos Frades, fazendo-se ouvir em clarinho no arraial da Pingona.
Com a sua hercúlea envergadura e o seu basto bigode, quando calhava a cravar ferraduras, impunha o respeito a qualquer cavalgadura.
Temendo alguma reacção intempestiva do ferreiro, "as bestas nem buliam as orelhas!" - como contava o ti Mné Correia.
Cada vez que o ti Zé Ferreiro moldava o ferro amolecido na incandescência da forja, avivada pelo sopro de um velho fole que ia aguentando o fôlego graças ao amaciar das rugas pela bola de sebo enfarruscada, religiosamente embrulhada num farrapo de saca e guardada numa buraca da parede, o povo evitava passar-lhe à porta, escudando-se da estridência das pancadas, capazes de perfurar os tímpanos aos mais incautos.
Os dele já há muito deixaram de reagir ao estímulo das vibrações sonoras. Quando a frágua zunia, por toda a aldeia se sentia a cadência do seu malhar que ensurdecia o martelo e a bigorna.
Pensa-se que terá nascido daqui a expressão bastamente usada em Toulões - "Estar com os ouvidos na casa do ti Zé Ferreiro" - que me parece ser exclusiva desta terra (e corrijam-me se estiver errado).
Usa-se para chamar a atenção a alguém que não ouve porque está distraído, com o sentido na lua, ou alguém a fazer ouvidos de mercador porque, pura e simplesmente, para os dissimulados, qualquer chamamento não passa de um imperceptível ruído de fundo.
Hoje a expressão continua a utilizar-se amiúde, mas, com a usura provocada pelo passar do tempo, foi perdendo o "ti Zé" e o "Ferreiro" passou de próprio a comum, resultando no que hoje se diz:"estar com os ouvidos na casa do ferreiro!?"
Mas as histórias já muito antigas deste homem, do qual dificilmente se compreendia como é que, com aquele corpanzil de arrasa montanhas e com umas mãos tão grossas e calejadas, dava ao mundo peças tão habilmente forjadas, eram saudosamente relembradas, quer pelo ti Canilhas, quer pelo Ti Zé Heleno que, com jeito, lhe herdaram a arte.
Embora ambos lá tivessem o seu géniosito, que por vezes originava discussões de índole profissional, havia um ponto com o qual comungavam:
A paciência com que aturavam os garotos tardes inteiras, quando estes andavam ao desafio para ver qual deles lhes ganharia as graças e a honra de poder dar ao fole. Era uma brincadeira que ajudava a granjear confiança e que de vez em quando resultava nuns favores.
Havia sempre uma vez para, numa aberta, pedir o caldeamento de um arame de reforço de caldeiro velho, retirado para fazer as argolas que guiavam em alegres correrias ao desafio pelas ruas do povo.
Cada qual tinha o seu dom.
O ti Canilhas era exímio aguçador de ferramenta. A têmpera que lhe dava, sempre no ponto, acrescentava todavia um pouco mais de vida aos enxadões, malhos e picaretas que lhe passavam pelas mãos.
Era também um excelente ferrador. Para além do cravar das ferragens nas patas dos animais, tinha sempre grande preocupação com o aparar dos cascos e com as doenças que poderiam estar latentes. Quantas vezes uma raspadela e uma leve desinfecção com creolina era um preventivo para a evitar a coxeira que inferiorizava o animal.
O ti Zé Heleno, esse, dedicava-se mais àquele trabalho de ferreiro que hoje se designa por serralharia civil.
Eram afamados nas redondezas os engenhos e noras com os respectivos alcatruzes, portões, gradeamentos para varandas, e outros trabalhos similares que saíam da sua lavra.
Tinha também um jeito especial para colocar aros de bandagem nas rodas dos carros de vacas.
Mas a sua actividade não se resumia a trabalhos de ferro.
Era requisitado por muita gente de fora como especialista em fazer sangrias no vivo doente. Através de um ponto de incisão localizado de acordo com o sintoma (e aqui contava a experiência), de onde escoava o sangue maligno debelando a maleita, sendo depois naturalmente renovado.
Em bestas com augamento, era lancetado o pescoço lateralmente junto à cabeça, deixando escorrer o sangue na quantidade razoável.
Em animais com sintomas de doidice, principalmente bezerras, a incisão era no rabo ou nas patas dianteiras em que as feridas eram desinfectadas com aguardente e ligadas com um pano até sararem. Em último recurso, caso o animal não melhorasse, fazia-lhe uma verga de fogo entre os cornos, na zona dos miolos, que consistia em marcar com um ferro em brasa uma pequena circunferência (um O). Nos dias imediatos, as ventas eram-lhe borrifadas com vinagre para a obrigar a espirrar e assim soltar alguma viscosidade que se tivesse alojado no cérebro.
Mas o ti Zé Heleno não curava só os aleméis.
Curou um cobrão já adiantado à ti Teresa Rita, coitada, já com o bicho alastrado pelo corpo, quase a juntar a cabeça com o rabo. A velhota, a quem uma benzelhoa já tinha tentado curar a moléstia com rezas e defumadouros, lá vinha agora, dia sim dia não, toda encorcovada com a bolsinha do "tremez" que depejava em cima da bigorna. O ti Zé, com uma pazinha de ferro que parecia uma rapa de masseira, em brasa, colocava-a sobre a manchinha do cereal que queimava de forma a libertar um óleo com o qual lhe untava a zona afectada. Um fumo espesso e um cheiro intenso a queimado invadiam as imediações como que a assinalar o sucesso da intervenção.
E uma vez também, um arrepiante berro de dor, libertado numa voz de criança, logo seguido de um intenso odor a carne queimada, escaparam da forja. O João Pesaduras que lá ia mandar aguçar uma picareta do pai, reagiu instintivamente, correndo os poucos metros que faltavam com o coração nas mãos, a pensar que algum amigo fizera como Txulas. Na semana anterior queimara uma mão ao apanhar, uma das ferraduras ainda em brasa, que o ti Zé aventava para do chão da forja, onde arrefeciam lentamente, recobertas pela terra enegrecida pelo coque e pela jorra que sobrava do material em fusão.
Felizmente enganara-se.
O grito de desespero soltara-o um garoto de fora, que o pai ali trouxera na esperança de lhe curar um nascido, depositando toda fé na promessa feita à Senhora do Almortão e na sabedoria do ti Zé Heleno, afamado por queimar, com uma ponta de fogo, a moléstia pela raiz a este tumor gangrenoso que dizia ser um cabrunco.
Enquanto o rapaz gemia, ainda com a maçã do rosto marcada, o Pesaduras, que já conhecia os cantos à casa, apressou-se a abondar a almotria do azeite para o preparado. Uma mistura com pó de cal morta para untar a zona ferrada, era aplicada em cataplasma e renovada diariamente para atenuar a dor e facilitar a cicatrização da queimadura.
Terminado o serviço, o ti Zé Heleno, enquanto arrumava a ferramenta, exibe a enorme tenaz com que manipulava as peças enrubecidas no braseiro da forja.
- Se fô p’ciso tamém arranco dentes! No éi o´João? - disse ele a lembrar uma vez em que pregou um susto ao rapazito, ameaçando, na brincadeira, meter-lhe o tira dentes, como lhe chamava, pela boca dentro.
O João, a observar as caretas que o garoto fazia e a pensar na dor que estaria a suportar, nem respondeu. Estava, naquele momento, com os ouvidos na casa do ferreiro.
INTÉRPRETE PARA FORASREIROS
abondar; passar, fazer alcançar, dar
aleméis; plural de alemel – animal
augamento; doença que aparecia nas bestas manifestando-se por cansaço e apatia quando estas, passando por um local onde habitualmente se lhe dava algo de comer, não se lhe matava esse desejo. Uma mão-cheia de ração ou duas ou três passas de figo serviam para desaugar o animal (dizia-se que também acontecia nas crianças).
cabrunco; carbúnculo (ver aqui)
canêlos; ferros com função de ferradura que se aplicavam nas patas das vacas de trabalho.
cobrão; doença cutânea (ver aqui)
dissimulados; teimosos, fingidos
frágua; forja, oficina de ferreiro
malho; machado
manchinha; pequena mão-cheia, pequena quantidade
nascido; tumor
o vivo; os animais em geral
O trabalho redobrava. Reparar os arados, em que aguçar rêlhas, substituir aivecas, arranjar os dentes das grades e compor outras ferragens, eram tarefas urgentes, a realizar antes que passasse a maré trazida pelas primeiras chuvas do Outono que punham a jeito a terra para ser esventrada e da qual se tirava um ano inteiro de sustento para família.
Depois, era mais o tempo que passava no tronco a ferrar as vacas de tiro do que na frágua, onde a feitura das ferraduras e dos canêlos havia sido prévia, sabendo, por experiência, da avalanche que chegava nesta época, em que o esforço dos animais e o consequente desgaste das protecções dos cascos era acrescido.
A valentia e a disponibilidade do ti Zé Guardado Campos para o trabalho, era por todos reconhecida. O ti Zé Ferreiro, como lhe chamavam, quando se punha a malhar o metal sobre aquela bigorna de aço, cujo timbre competia com o do sino da igreja quando tocava a rebate, numa chamada do povo da aldeia a reunir para acudir a uma desgraça, em que nos dias da aragem de leste levava o som da emergência a salvar o Cabeço dos Frades, fazendo-se ouvir em clarinho no arraial da Pingona.
Com a sua hercúlea envergadura e o seu basto bigode, quando calhava a cravar ferraduras, impunha o respeito a qualquer cavalgadura.
Temendo alguma reacção intempestiva do ferreiro, "as bestas nem buliam as orelhas!" - como contava o ti Mné Correia.
Cada vez que o ti Zé Ferreiro moldava o ferro amolecido na incandescência da forja, avivada pelo sopro de um velho fole que ia aguentando o fôlego graças ao amaciar das rugas pela bola de sebo enfarruscada, religiosamente embrulhada num farrapo de saca e guardada numa buraca da parede, o povo evitava passar-lhe à porta, escudando-se da estridência das pancadas, capazes de perfurar os tímpanos aos mais incautos.
Os dele já há muito deixaram de reagir ao estímulo das vibrações sonoras. Quando a frágua zunia, por toda a aldeia se sentia a cadência do seu malhar que ensurdecia o martelo e a bigorna.
Pensa-se que terá nascido daqui a expressão bastamente usada em Toulões - "Estar com os ouvidos na casa do ti Zé Ferreiro" - que me parece ser exclusiva desta terra (e corrijam-me se estiver errado).
Usa-se para chamar a atenção a alguém que não ouve porque está distraído, com o sentido na lua, ou alguém a fazer ouvidos de mercador porque, pura e simplesmente, para os dissimulados, qualquer chamamento não passa de um imperceptível ruído de fundo.
Hoje a expressão continua a utilizar-se amiúde, mas, com a usura provocada pelo passar do tempo, foi perdendo o "ti Zé" e o "Ferreiro" passou de próprio a comum, resultando no que hoje se diz:"estar com os ouvidos na casa do ferreiro!?"
Mas as histórias já muito antigas deste homem, do qual dificilmente se compreendia como é que, com aquele corpanzil de arrasa montanhas e com umas mãos tão grossas e calejadas, dava ao mundo peças tão habilmente forjadas, eram saudosamente relembradas, quer pelo ti Canilhas, quer pelo Ti Zé Heleno que, com jeito, lhe herdaram a arte.
Embora ambos lá tivessem o seu géniosito, que por vezes originava discussões de índole profissional, havia um ponto com o qual comungavam:
A paciência com que aturavam os garotos tardes inteiras, quando estes andavam ao desafio para ver qual deles lhes ganharia as graças e a honra de poder dar ao fole. Era uma brincadeira que ajudava a granjear confiança e que de vez em quando resultava nuns favores.
Havia sempre uma vez para, numa aberta, pedir o caldeamento de um arame de reforço de caldeiro velho, retirado para fazer as argolas que guiavam em alegres correrias ao desafio pelas ruas do povo.
Cada qual tinha o seu dom.
O ti Canilhas era exímio aguçador de ferramenta. A têmpera que lhe dava, sempre no ponto, acrescentava todavia um pouco mais de vida aos enxadões, malhos e picaretas que lhe passavam pelas mãos.
Era também um excelente ferrador. Para além do cravar das ferragens nas patas dos animais, tinha sempre grande preocupação com o aparar dos cascos e com as doenças que poderiam estar latentes. Quantas vezes uma raspadela e uma leve desinfecção com creolina era um preventivo para a evitar a coxeira que inferiorizava o animal.
O ti Zé Heleno, esse, dedicava-se mais àquele trabalho de ferreiro que hoje se designa por serralharia civil.
Eram afamados nas redondezas os engenhos e noras com os respectivos alcatruzes, portões, gradeamentos para varandas, e outros trabalhos similares que saíam da sua lavra.
Tinha também um jeito especial para colocar aros de bandagem nas rodas dos carros de vacas.
Mas a sua actividade não se resumia a trabalhos de ferro.
Era requisitado por muita gente de fora como especialista em fazer sangrias no vivo doente. Através de um ponto de incisão localizado de acordo com o sintoma (e aqui contava a experiência), de onde escoava o sangue maligno debelando a maleita, sendo depois naturalmente renovado.
Em bestas com augamento, era lancetado o pescoço lateralmente junto à cabeça, deixando escorrer o sangue na quantidade razoável.
Em animais com sintomas de doidice, principalmente bezerras, a incisão era no rabo ou nas patas dianteiras em que as feridas eram desinfectadas com aguardente e ligadas com um pano até sararem. Em último recurso, caso o animal não melhorasse, fazia-lhe uma verga de fogo entre os cornos, na zona dos miolos, que consistia em marcar com um ferro em brasa uma pequena circunferência (um O). Nos dias imediatos, as ventas eram-lhe borrifadas com vinagre para a obrigar a espirrar e assim soltar alguma viscosidade que se tivesse alojado no cérebro.
Mas o ti Zé Heleno não curava só os aleméis.
Curou um cobrão já adiantado à ti Teresa Rita, coitada, já com o bicho alastrado pelo corpo, quase a juntar a cabeça com o rabo. A velhota, a quem uma benzelhoa já tinha tentado curar a moléstia com rezas e defumadouros, lá vinha agora, dia sim dia não, toda encorcovada com a bolsinha do "tremez" que depejava em cima da bigorna. O ti Zé, com uma pazinha de ferro que parecia uma rapa de masseira, em brasa, colocava-a sobre a manchinha do cereal que queimava de forma a libertar um óleo com o qual lhe untava a zona afectada. Um fumo espesso e um cheiro intenso a queimado invadiam as imediações como que a assinalar o sucesso da intervenção.
E uma vez também, um arrepiante berro de dor, libertado numa voz de criança, logo seguido de um intenso odor a carne queimada, escaparam da forja. O João Pesaduras que lá ia mandar aguçar uma picareta do pai, reagiu instintivamente, correndo os poucos metros que faltavam com o coração nas mãos, a pensar que algum amigo fizera como Txulas. Na semana anterior queimara uma mão ao apanhar, uma das ferraduras ainda em brasa, que o ti Zé aventava para do chão da forja, onde arrefeciam lentamente, recobertas pela terra enegrecida pelo coque e pela jorra que sobrava do material em fusão.
Felizmente enganara-se.
O grito de desespero soltara-o um garoto de fora, que o pai ali trouxera na esperança de lhe curar um nascido, depositando toda fé na promessa feita à Senhora do Almortão e na sabedoria do ti Zé Heleno, afamado por queimar, com uma ponta de fogo, a moléstia pela raiz a este tumor gangrenoso que dizia ser um cabrunco.
Enquanto o rapaz gemia, ainda com a maçã do rosto marcada, o Pesaduras, que já conhecia os cantos à casa, apressou-se a abondar a almotria do azeite para o preparado. Uma mistura com pó de cal morta para untar a zona ferrada, era aplicada em cataplasma e renovada diariamente para atenuar a dor e facilitar a cicatrização da queimadura.
Terminado o serviço, o ti Zé Heleno, enquanto arrumava a ferramenta, exibe a enorme tenaz com que manipulava as peças enrubecidas no braseiro da forja.
- Se fô p’ciso tamém arranco dentes! No éi o´João? - disse ele a lembrar uma vez em que pregou um susto ao rapazito, ameaçando, na brincadeira, meter-lhe o tira dentes, como lhe chamava, pela boca dentro.
O João, a observar as caretas que o garoto fazia e a pensar na dor que estaria a suportar, nem respondeu. Estava, naquele momento, com os ouvidos na casa do ferreiro.
INTÉRPRETE PARA FORASREIROS
abondar; passar, fazer alcançar, dar
aleméis; plural de alemel – animal
augamento; doença que aparecia nas bestas manifestando-se por cansaço e apatia quando estas, passando por um local onde habitualmente se lhe dava algo de comer, não se lhe matava esse desejo. Uma mão-cheia de ração ou duas ou três passas de figo serviam para desaugar o animal (dizia-se que também acontecia nas crianças).
cabrunco; carbúnculo (ver aqui)
canêlos; ferros com função de ferradura que se aplicavam nas patas das vacas de trabalho.
cobrão; doença cutânea (ver aqui)
dissimulados; teimosos, fingidos
frágua; forja, oficina de ferreiro
malho; machado
manchinha; pequena mão-cheia, pequena quantidade
nascido; tumor
o vivo; os animais em geral
26 comentários:
MAis um excelente pedaço de prosa.
É para mim uma esperiência fabulosa passar por este blogue (à portuguesa).
Um abraço.
MAis um excelente pedaço de prosa.
É para mim uma esperiência fabulosa passar por este blogue (à portuguesa).
Um abraço.
Como sempre adorei ler, mais este texto do nosso portugues raiano.
Parte a sua historia fez-me lembrar uma outra mais recente, em que tambem um individuo ao queimar-se numa peca recem soldada exclamou: "ai que dores quentes!"
Um abraco serrano.
Faço a ronda, não por imperativos menos concebíveis, mas porque este blogue é duma estética irrepreensível, comprometido com a beleza da vida, a merecer mais e constantes visitas, porque aqui respira-se serenidade, e sinto-me, dum modo agradável, satisfeito, porque a excelência não tem preço, simplesmente, apreço. Bom fim-de-semana.
Se existem universos que me fascinam, o das fráguas é por excelência um deles. Estou para elaborar um artigo sobre os antigos ferreiros à algum tempo. Tenho esta inquietação dentro de mim. Começei por registar alguns testemunhos destes antigos mestres ferreiros, visitei algumas fráguas desactivadas e agora ao ler este belíssimo texto, estive por momentos, de certeza mágicos, a reviver muitas destas extraordinárias vidas. A alquimia do ferro, as temperas, o fole, as curas dos animais e dos humanos, a sonoridade do ferro nas noites intermináveis que pautavam a época das sementeiras. O ferreiro, esse alquimista obscuro, conhecedor dos mistérios do fogo, extingui-se na materialidade dos tempos.
Bem haja amigo dos ferreiros, por trazê-los de volta...
um abraço
Chanesco conta-nos mais uns belos episódios da vida do povo de uma aldeia portuguesa.
A sua prosa cheira a campo, a terra, ao quente odor da bigorna,a autenticidade, ao genuíno sentir das gentes do campo e dos seus extraordinários conhecimentos empíricos, que tanto me ensinaram, a mim, menino da cidade, mas que adorava correr por entre os pinheiros, subindo em corrida a mata que me conduzia ao cimo de vila, numa aldeia do Douro dos meses de verão da minha infância.
E também lá, havia o Ferreiro, uma das mais respeitadas figuras da aldeia. Muitos dentes arrancou o Ferreiro. A Ti Marquinhas, mãe do Zeca Pataroco, mas que era esperto e uma besta de carga,já poucos dentes tinha que o ferreiro não tivesse arrancado.
Obrigado, Chanesco, por este lindo naco de prosa da boa. De grande qualidade e apurada sensibilidade!
Dá gosto vir até cá!
É urgente a publicação de um livro, com todas estas histórias de gente do Portugal que vai perdendo figuras como as que são por ti retratadas.
Muitas felicidades e a continuação de um trabalho que considero do melhor que já li em blogues.
Merece uma grande divulgação!
Um abraço
Jorge Guedes
Aquele portão parece-me belo, não tosco. Foi o Ti Zé que o fez?
De novo, em prosa recheada de ternura, um excelente retrato dos dias que já não há. Mas quero que saiba que a mezinha do Ti Zé Ferreiro se vende nas farmácias: é o óleo de (gérmen de) trigo, essencial para apaziguar as dores fortíssimas provocadas pela zona. O cobrão é a designação popular para um dos muitos aspectos que a zona pode ter: circundante do tronco humano. O povo crê que, se se deixar unir as duas partes ("o rabo com a cabeça"),ela será fatal.
A zona pode afectar qualquer pessoa que tenha sofrido de varicela (quem não?), porque é provocada por uma transformação do seu vírus. E se parece que falo de cátedra, é porque o cobrão resolveu marcar presença aqui em casa.
Um abraço
Caro Eddy
É pena que que a história dos ferreiros daqui passe sem quase deixar vestigios.
Das duas fráguas que existiam em Toulões apenas existe a do ti Canilhas, mas não sei se ainda mantém o recheio.
Os dois troncos que havia, afectos a cada uma das fráguas, também já não existem. O do ti Zé Heleno, ao cimo do povo, era de madeira e lembro-me dele já bastante degradado. O do ti Canilhas, que situava junto às furdas da Malhadinha, era em granito, mas quando a junta tirou as furdas e arranjou a rua o tronco foi por arrastamento.
Um abraço.
Caro jorge
Obrigado pelas palavras de incentivo.
Já varias pessoas me têm sugerido essa da publicação de um livro, mas é coisa que eu não levo a sério.
Para mim, publicar um livro é para pessoas donas de uma cultura erudita como é o caso do meu amigo e outros ilustres letrados que me dão a honra de comentar os meus posts.
Um abraço
Cara MPS
Efectivamente o cancelão da foto é obra do ti Zé Heleno.
Ainda me lembro-me de ele o ter reparado uma vez que foi abalroado por um carro de vacas.
Quanto ao cobrão/zona estive para fazer essa referência, mas como a certeza não era absoluta preferi não o fazer.
Obrigado por esta confirmação e pela dica sobre a sua origem.
Abraço
Soberbo exemplo de uma caixa de memórias que importa conservar. Boa semana
...................
Excelente!!!!
obrigado por me visitares e por me teres proporcionado visitar-te
este teu recanto merece uma visita mais demorada
..................
Abraço e boa semana
Mais uma vez bem haja chanesco, por essas preciosas informações.
um abraço
Amigo Chanesco
Mais uma vez fiquei maravilhado com este seu escrito.
Ditosa Toulões que tem um filho assim, que sabe preservar a sua memória desta forma, com esta qualidade.
Passei por aí na minha viagem, mas, infelizmente, num dia de forte inverna, pelo que só pude apreciar a sua terra através do vidro do carro.
As ruas estavam desertas e tudo fechado, mas "senti" que, com bom tempo, haveria de encontrar muito boa gente por aí.
Saudações da serra de Monchique.
em Lisboa, mesmo junto à minha escola primária havia um ferreiro.
A sobrinha dele, a Isabelinha era minha colega de carteira e isso dava-me o previlégio de quando saía da escola, ir assistir à ferra dos animais. Diziam que também curava a ciática mas nunca assisti ::))
Era O Ferreiro do Altinho.
o cheiro dos cascos nunca se esvaiu da minha memória e quando passo por lá, parece-me ser invadida pelos sons e cheiros.
Bem hajas pelas memórias
xi
maria de são pedro
excelente post, acompanhado por belissimas fotos...tiro o meu chapéu!
abraço
Chanesco
Repito o que disse: o portão é uma bela obra que, agora, aprecio ainda mais porque conheci quem o fez. Foi-me apresentado pela sua magnífica prosa.
Obrigada pelas suas palavras.
Que bonita prosa! Sem dúvida uma visita a repetir!
Abraço
Que bonita a prosa poética e, sempre, as tuas fotografias que tão bem retratam o que dizes. Cultura? que é isso? Tu és duma cultura dinâmica e profunda, da cátedra do real. A ideia do livro seria maravilhosa... Parabéns e Abç
Eis aqui para desejar um óptimo fim-de-semana, enquanto aprecio esta página, sempre atractiva, eternamente interessante, continuamente apelativa, por todos os motivos. Um hábito que se tornou imprescindível, claro, porque a qualidade é muita.
Estes trabalhos eram, e sao muito interessantes. Era criança e lembro-me de ter um vizinho que trabalhava na forja...
Bom f semana, beijinho*
Boa noite
Mais uma maravilhosa história!
Quando o lançamento do livro?
Um resto de domingo muito agradável.
No "gatimanhos" tenho uma resposta ao seu último comentário.
Um abraço de amizade.
Um texto de tal modo completo que ilustra perfeitamente uma época. Dá para imaginar esses tempos. Teve até o condão de me trazer à memória as célebres aulas de trabalhos manuais na Escola Comercial e Industrial Emídio Navarro em Viseu e nós à forja a trabalharmos o ferro. Claro, a maior parte de nós nem fazia a mais pequena ideia de que o que estávamos a fazer seriam os últimos suspiros dos trabalhos que fizeram parte do quotidano da vida dos nossos pais (mais dos nossos avós). Vestígios dessa époa ainda os há, muito malbaratados,diga-se, sem que as pessoas tenham a noção do quão importante seria preservarem essas marcas que os nossos antepassados nos foram legando para sermos capazes de fazer o que hoje já somos capazes. Acho qe até já atingimos um patamar de evolução tecnológca a a partir do qual nos arriscamos a dar um passo para o abismo...
A ver vamos!
Um abraço.
Chanesco, volto a dizer-lhe que devia publicar as histórias que tão bem descreve. E, um livro não tem nada a ver com erudição mas com quem escreve bem.
Pense no que tal pode representar, se não tanto para si, mas para os seus familiares, amigos e terra!
Quanto a mim, amigo, nem sou assim erudito nem,muito menos, ilustre, mas obrigadp pela sua simpatia.
Um abraço de Lisboa para o raiano e para toda a raia.
Chanesco, passei por aqui de novo à cata de novas.
Um abraço desta Lisboa bonita mas muito cheia para o meu gosto.
Jorge G
ESPERO QUE NÃO SE IMPORTE DE ENTRAR NESTA BRINCADEIRA PARA QUE FUI DESAFIADO PELO BLOGUE " Braganzónia"
Um abraço. Jorge
Tinha que se dar. Mais cedo ou mais tarde a minha vez estava marcada. Quem se lembrou aqui do "Sino da Aldeia" foi a Braganzónia, que se auto-define assim:
"Reserva de índios situada no Parque Natural de Montesinho, rodeada pelas províncias de Trás-os-Montes [Portugal] e de Zamora [Castilla y León]. Nela sobrevivem ainda as 'Braganza Mothers' e outros nativos que ingenuamente teimam em resistir ao habitual desprezo do Poder de Lisboa."
Perante tais argumentos, como poderia resistir? Como demonstrar-lhe que Bragança, aqui a casa, chega e é terra de Portugal? Embora não goste nada de "correntes", sejam de que tipo forem, esta parece-me uma brincadeira engraçada e que nos dá a conhecer uns aos outros. E como, no fundo, pertencemos a uma comunidade...
Pois o desafio está aceite. Sendo obrigado, pelo regulamento, a dar conhecimento público do mesmo, aqui o têm:
REGULAMENTO
- Cada blogger participante tem de enunciar cinco manias suas, hábitos muito pessoais que os diferenciem do comum dos mortais.
- E além de dar ao público conhecimento dessas particularidades, tem de escolher cinco outros bloggers para entrarem, igualmente, no jogo, não se esquecendo de deixar nos respectivos blogs um aviso do 'recrutamento'.
- Cada participante deve reproduzir este 'Regulamento' no seu blog.
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