Bartolomeu Moreira, cego de nascença e espontaneamente de "Cego" alcunhado por o destino o ter estigmatizado ao negar-lhe a faculdade de poder desfrutar das cores da vida, fazia o que podia com a sua menina dos olhos, a mulher, para dar aos filhos o pão e a criação.
Se a natureza foi madrasta em lhe conceder a vista, deu-lhe entretanto um ouvido que bem poderia ser o diapasão afinador da harmoniosa lira de Apollo.
Esta dádiva, por ele desenvolvida de forma natural, conjugada com umas lições de guitarra ministradas pela dedicação dos manos mêlgos, seus primos, também eles com a visão mergulhada no mundo das trevas, armou-o para vencer adversidades - sem contar com as partidas dos garotos e as não detectadas na ponta da verdasquinha de marmeleiro a tactear caminho pelas ruas do povo - permitiu-lhe adquirir uma exímia forma de harpejar as cordas tensas do instrumento. Os mêlgos ceguinhos, o João e o António - pese embora a diferença de idade, dois ou três anos, eram duas figuras cópia uma da outra - vinham todos os anos uns dias no Verão e pelo Natal e por aqui deambulavam por todo o lado sempre confiantes. Estudados, cultos, faziam a admiração da canalhada a ouvir-lhes contar histórias, lidas com a ponta dos dedos num livro sobre o colo, sentados à porta do ti Celézinha, no baturel de pedra também barra de tribunal improvisado para julgamento da vida alheia nos longos serões estivais. Estes dois homens com paciência de santo e a calma dum cantchal, virtuosos da guitarra com tarimba ganha em grandes serenatas coimbrãs, eram o bálsamo do "Bertlameu Cego", no seu afã em descobrir todos os segredos que o bojo do moderno alaúde podia desvendar e em fazer-se tocador.
Um ofício ingrato.
Impedido de ganhar a vida a trabalhar normalmente como os demais homens, abrilhantava bailes de casamento e a consequente sarinata aos noivos na noite nupcial e aos domingos advertia a mocidade de partido com modas aprendidas a ouvir cantar os vendedores de folhetos nas feiras onde, com o seu toque, ora melodioso, ora repicado, costumava acompanhar a mulher, também cantadeira de circunstância enquanto estendia a bolsa das esmolas ao espírito samaritano.
Arrondeava-se assim, com este fado vadio, a ganhar uns vinténs para quebrar as agruras de uma vida de pobre. A esmola, pedida com a vergonha dos honestos, foi durante muitos anos um meio de subsistência.
Pedir era uma necessidade e esta mandava-o para longe. Pelo final da primavera, com o seu vagar, envolvido na escuridão que o rodeava, dava uma ajuda à mulher no arrear do matcheco, no embêlfá-lo à carroça - habitação improvisada para estas campanhas – e, com os filhos atrás enquanto foram pequenos, partiam para paragens de além Tejo. Portalegre, Nisa, Ponte de Sôr eram terras prometidas, distantes daquelas onde a boa vontade parecia por vezes já esgotada. Voltavam a casa quando as partidas do tempo não permitiam mais pernoitar ao relento.
Do "Sã Meguel" aos Santos e dos Santos ao Natal eram duas cantchadas de semeador.
O Natal era passado como pedia a regra: no conchego da família, apegados ao calor de três cavacas que incandesciam as trempes onde se empoleirava a sertã das filhoses. Consoavam umas batatas com couves, em dia de festa excepcionalmente regadas de azeite a tento no gasto e com pouco conduto, se ainda o houvesse. Comia-se mais uma filhó ou duas e cama, que o petróleo estava caro e no dia seguinte era preciso levantar cedo para ir beijar o Menino, a única luz que impressiona a retina dum cego, como lho fizera ver o ti Chico-à-Rolha, extremoso sacristão.
Findas as festas natalícias, aproveitando a ocasião que a tradição lhes proporcionava na Epifania, juntava-se a eles uma irmã de Bartolomeu, também ceguinha, com família constituída, capaz de ir à fonte de cântaro à cabeça, lavar roupa no ribeiro e fazer a lida da casa como as mulheres "mai listras".
E iam pedir as janeiras.
Os três de braço dado, guiados pelos olhos brilhantes da Luisa, sempre a reflectir agradecimento, percorriam as ruas do povo a cantar de porta em porta. Bartolomeu, com a guitarra presa por um cordel à laia de bandoleira, e a irmã, de cesta enfiada no braço livre, ladeavam a Luisa, cantadeira de cantorias apropriadas à ocasião, sempre a rematar no pedido de "qualquer coisinha" para juntar na cesta.
Uma vez, era domingo, os manos mêlgos, para dar um empurrão às janeiras mercê do carisma gozado no seio da comunidade toulonense, juntaram-se ao trio. Acabada a missa, inicia-se o cante de porta em porta, liderado pelo requintado quadrar do João "Ceguinho", sempre em obediência à matriz que regula este tradicional evento: saudações pessoais invocativas dos nomes dos donos da casa, respeitando a hierarquia dos membros da família, elogiando-lhe os dotes físicos, morais e materiais, em particular os da dona. Era ela, com o coração mais mole e conhecedora do inventário da despensa, a chegar à porta e oferecer uma peça vinda de um fumeiro ainda fresco, um fanoco de pão sovado, uns ovos, umas passas, uma medida de feijões grandes que, diziam os cavadores, davam força ao agarrarem-se às costas.
Dinheiro pouco: a carteira da casa era austeramente gerida pelo dono.
Se algum coração mais empedernido recusasse contribuir, eventualmente a reagir a uma réstia de inveja pelo vislumbre de uma camisa lavada num pobre, logo detectada pelo quinto sentido do João, avesso a maus íntimos e hostilidades gratuitas manifestadas pelo fazer pouco da desgraça alheia, por entre uma cantata de cortesia em bom tempo dissimulava uma quadra de reserva, chapeirada nas ventas a quem estivesse a pedi-las.
Deixe lá essas janeiras
Que a nós já não dão jeito
Guarde-as ao lado da pedra
Que ainda lhe bate no peito
Episódios escassos, estes.
Bartolomeu e a mulher, reconhecidamente merecedores da estima de todos, raramente eram deixados em pouco. Terminada a ronda das janeiras, por uma vez pedidas e cantadas com três guitarras e um coro, surtiu o efeito da abastança. O espectáculo, oferecido à porta de cada um, apreciado e elogiado por cada qual, teve retribuição a condizer: uma cesta merendeira que chegava para dar de comer a um rancho de quinteiros.
Repartida irmãmente a colecta, os manos mêlgos abdicando da parte que lhes caberia, Bartolomeu, de guitarra às costas, com a cesta das "coisinhas" numa mão e a varinha de marmeleiro na outra, partiu sozinho para casa, ali ao cimo do povo no caminho como quem vai para serra, enquanto a mulher ficou a dar uma mão nos arrumos à cunhada.
Àquela hora, já a chocalhada dos rebanhos ao longe, a descerem do Serralhão, era música para os seus ouvidos, relógio a assinalar o tempo de recolher.
Entrou em casa e depositou a cesta no corredor. A mulher arrumá-la-ia quando chegasse com os garotos. Foi acautelar a guitarra na sala e chegou-se ao borralho mortiço. Não tardou, na rua passava a algazarra dos chocalhos e campainhas em uníssono com os berros de comando do pastor a orientar o gado e o ladrar dos cães de passagem, num diálogo de ralho com os que, de sentinela, davam sinal de presença nos quintais.
Algum tempo depois chegou a mulher. Avivou o lume com mais uns gravatos, arrumou-lhe uma panela com água para pôr a ceia e foi acomodar o vivo. Procurou depois pela cesta ao marido, mas não deu com ela. Misteriosamente, da cesta das janeiras apenas restava a dita. Duns batateiros, dumas farinheiras, de dois ou três butchanos em ponto de irem acabar de curar numa vara de fumeiro sobre o borralho, nem o cheiro restou. Uma boa tora de toucinho e outra de presunto, curado como só a ti Maria da Piedade sabia, a bolsa com à volta de meia quarta de feijão e outra tanta de grãs, pão … "foi tudo com dono".
Encontrada a porta entreaberta, as primeiras suspeitas recaíram sobre os cães dos pastores. Bastas vezes, estes intrusos eram postos a marchar de casa para fora à tanganhada, mas os sem vergonha, talvez atraídos pela farta pobreza da casa, a cada pé de passada lá entravam de novo.
Melhor vistas as coisas, dedução lógica da Luisa, os cães, por mais que fossem, não rapavam o fundo à cesta; e cão, por mais esperto que seja, não sabe por feijão a cozer, nem é burro ao ponto de o comer cru.
Se a natureza foi madrasta em lhe conceder a vista, deu-lhe entretanto um ouvido que bem poderia ser o diapasão afinador da harmoniosa lira de Apollo.
Esta dádiva, por ele desenvolvida de forma natural, conjugada com umas lições de guitarra ministradas pela dedicação dos manos mêlgos, seus primos, também eles com a visão mergulhada no mundo das trevas, armou-o para vencer adversidades - sem contar com as partidas dos garotos e as não detectadas na ponta da verdasquinha de marmeleiro a tactear caminho pelas ruas do povo - permitiu-lhe adquirir uma exímia forma de harpejar as cordas tensas do instrumento. Os mêlgos ceguinhos, o João e o António - pese embora a diferença de idade, dois ou três anos, eram duas figuras cópia uma da outra - vinham todos os anos uns dias no Verão e pelo Natal e por aqui deambulavam por todo o lado sempre confiantes. Estudados, cultos, faziam a admiração da canalhada a ouvir-lhes contar histórias, lidas com a ponta dos dedos num livro sobre o colo, sentados à porta do ti Celézinha, no baturel de pedra também barra de tribunal improvisado para julgamento da vida alheia nos longos serões estivais. Estes dois homens com paciência de santo e a calma dum cantchal, virtuosos da guitarra com tarimba ganha em grandes serenatas coimbrãs, eram o bálsamo do "Bertlameu Cego", no seu afã em descobrir todos os segredos que o bojo do moderno alaúde podia desvendar e em fazer-se tocador.
Um ofício ingrato.
Impedido de ganhar a vida a trabalhar normalmente como os demais homens, abrilhantava bailes de casamento e a consequente sarinata aos noivos na noite nupcial e aos domingos advertia a mocidade de partido com modas aprendidas a ouvir cantar os vendedores de folhetos nas feiras onde, com o seu toque, ora melodioso, ora repicado, costumava acompanhar a mulher, também cantadeira de circunstância enquanto estendia a bolsa das esmolas ao espírito samaritano.
Arrondeava-se assim, com este fado vadio, a ganhar uns vinténs para quebrar as agruras de uma vida de pobre. A esmola, pedida com a vergonha dos honestos, foi durante muitos anos um meio de subsistência.
Pedir era uma necessidade e esta mandava-o para longe. Pelo final da primavera, com o seu vagar, envolvido na escuridão que o rodeava, dava uma ajuda à mulher no arrear do matcheco, no embêlfá-lo à carroça - habitação improvisada para estas campanhas – e, com os filhos atrás enquanto foram pequenos, partiam para paragens de além Tejo. Portalegre, Nisa, Ponte de Sôr eram terras prometidas, distantes daquelas onde a boa vontade parecia por vezes já esgotada. Voltavam a casa quando as partidas do tempo não permitiam mais pernoitar ao relento.
Do "Sã Meguel" aos Santos e dos Santos ao Natal eram duas cantchadas de semeador.
O Natal era passado como pedia a regra: no conchego da família, apegados ao calor de três cavacas que incandesciam as trempes onde se empoleirava a sertã das filhoses. Consoavam umas batatas com couves, em dia de festa excepcionalmente regadas de azeite a tento no gasto e com pouco conduto, se ainda o houvesse. Comia-se mais uma filhó ou duas e cama, que o petróleo estava caro e no dia seguinte era preciso levantar cedo para ir beijar o Menino, a única luz que impressiona a retina dum cego, como lho fizera ver o ti Chico-à-Rolha, extremoso sacristão.
Findas as festas natalícias, aproveitando a ocasião que a tradição lhes proporcionava na Epifania, juntava-se a eles uma irmã de Bartolomeu, também ceguinha, com família constituída, capaz de ir à fonte de cântaro à cabeça, lavar roupa no ribeiro e fazer a lida da casa como as mulheres "mai listras".
E iam pedir as janeiras.
Os três de braço dado, guiados pelos olhos brilhantes da Luisa, sempre a reflectir agradecimento, percorriam as ruas do povo a cantar de porta em porta. Bartolomeu, com a guitarra presa por um cordel à laia de bandoleira, e a irmã, de cesta enfiada no braço livre, ladeavam a Luisa, cantadeira de cantorias apropriadas à ocasião, sempre a rematar no pedido de "qualquer coisinha" para juntar na cesta.
Uma vez, era domingo, os manos mêlgos, para dar um empurrão às janeiras mercê do carisma gozado no seio da comunidade toulonense, juntaram-se ao trio. Acabada a missa, inicia-se o cante de porta em porta, liderado pelo requintado quadrar do João "Ceguinho", sempre em obediência à matriz que regula este tradicional evento: saudações pessoais invocativas dos nomes dos donos da casa, respeitando a hierarquia dos membros da família, elogiando-lhe os dotes físicos, morais e materiais, em particular os da dona. Era ela, com o coração mais mole e conhecedora do inventário da despensa, a chegar à porta e oferecer uma peça vinda de um fumeiro ainda fresco, um fanoco de pão sovado, uns ovos, umas passas, uma medida de feijões grandes que, diziam os cavadores, davam força ao agarrarem-se às costas.
Dinheiro pouco: a carteira da casa era austeramente gerida pelo dono.
Se algum coração mais empedernido recusasse contribuir, eventualmente a reagir a uma réstia de inveja pelo vislumbre de uma camisa lavada num pobre, logo detectada pelo quinto sentido do João, avesso a maus íntimos e hostilidades gratuitas manifestadas pelo fazer pouco da desgraça alheia, por entre uma cantata de cortesia em bom tempo dissimulava uma quadra de reserva, chapeirada nas ventas a quem estivesse a pedi-las.
Deixe lá essas janeiras
Que a nós já não dão jeito
Guarde-as ao lado da pedra
Que ainda lhe bate no peito
Episódios escassos, estes.
Bartolomeu e a mulher, reconhecidamente merecedores da estima de todos, raramente eram deixados em pouco. Terminada a ronda das janeiras, por uma vez pedidas e cantadas com três guitarras e um coro, surtiu o efeito da abastança. O espectáculo, oferecido à porta de cada um, apreciado e elogiado por cada qual, teve retribuição a condizer: uma cesta merendeira que chegava para dar de comer a um rancho de quinteiros.
Repartida irmãmente a colecta, os manos mêlgos abdicando da parte que lhes caberia, Bartolomeu, de guitarra às costas, com a cesta das "coisinhas" numa mão e a varinha de marmeleiro na outra, partiu sozinho para casa, ali ao cimo do povo no caminho como quem vai para serra, enquanto a mulher ficou a dar uma mão nos arrumos à cunhada.
Àquela hora, já a chocalhada dos rebanhos ao longe, a descerem do Serralhão, era música para os seus ouvidos, relógio a assinalar o tempo de recolher.
Entrou em casa e depositou a cesta no corredor. A mulher arrumá-la-ia quando chegasse com os garotos. Foi acautelar a guitarra na sala e chegou-se ao borralho mortiço. Não tardou, na rua passava a algazarra dos chocalhos e campainhas em uníssono com os berros de comando do pastor a orientar o gado e o ladrar dos cães de passagem, num diálogo de ralho com os que, de sentinela, davam sinal de presença nos quintais.
Algum tempo depois chegou a mulher. Avivou o lume com mais uns gravatos, arrumou-lhe uma panela com água para pôr a ceia e foi acomodar o vivo. Procurou depois pela cesta ao marido, mas não deu com ela. Misteriosamente, da cesta das janeiras apenas restava a dita. Duns batateiros, dumas farinheiras, de dois ou três butchanos em ponto de irem acabar de curar numa vara de fumeiro sobre o borralho, nem o cheiro restou. Uma boa tora de toucinho e outra de presunto, curado como só a ti Maria da Piedade sabia, a bolsa com à volta de meia quarta de feijão e outra tanta de grãs, pão … "foi tudo com dono".
Encontrada a porta entreaberta, as primeiras suspeitas recaíram sobre os cães dos pastores. Bastas vezes, estes intrusos eram postos a marchar de casa para fora à tanganhada, mas os sem vergonha, talvez atraídos pela farta pobreza da casa, a cada pé de passada lá entravam de novo.
Melhor vistas as coisas, dedução lógica da Luisa, os cães, por mais que fossem, não rapavam o fundo à cesta; e cão, por mais esperto que seja, não sabe por feijão a cozer, nem é burro ao ponto de o comer cru.
E se tivesse sido um pastor? Quem é capaz de engordar gado conduzindo-o para terras de semeadura, roubando o pão que encheria a barriga a uma familia pobre, também seria capaz de passar aqui à porta, encher o sarrão e abalar todo relampante.
Mas não. Uma falta por prevaricação aponta-se a qualquer, mas dos que aqui passam, nenhum teria as aldrácias de entrar em casa a roubar.
A Luisa orientou então o sentido para uma família de ciganos, de malhada estendida logo ali debaixo da frondosa sobreira do ti Proposta, com fama de comprarem certas coisa sem falar com o dono. Pelos antecedentes conhecidos e por desconfianças várias, não admiraria que tivessem despejado a cesta no regaço do mandil e ala que se faz tarde.
Provar tal infâmia, que tirou da boca dos filhos a comida de um bom par de semanas, era difícil. Palavra de cigano assim o demostrou.
O desaparecimento das Janeiras do Bertlameu Cego chegou aos ouvidos do povo sob a forma de consternação. Luisa, perscrutada pela vizinhança num manifesto acto solidário, quase de pesar, acanhada pela sua humildade, resignada com o infortúnio, respondia:
- Foram os cães dos pastores!
- Tamém te digo, Luisa! Cães com sorte os qu’ atcham dinheiro na rua, não distinguindo uma coroa dum vintém.
Mas não. Uma falta por prevaricação aponta-se a qualquer, mas dos que aqui passam, nenhum teria as aldrácias de entrar em casa a roubar.
A Luisa orientou então o sentido para uma família de ciganos, de malhada estendida logo ali debaixo da frondosa sobreira do ti Proposta, com fama de comprarem certas coisa sem falar com o dono. Pelos antecedentes conhecidos e por desconfianças várias, não admiraria que tivessem despejado a cesta no regaço do mandil e ala que se faz tarde.
Provar tal infâmia, que tirou da boca dos filhos a comida de um bom par de semanas, era difícil. Palavra de cigano assim o demostrou.
O desaparecimento das Janeiras do Bertlameu Cego chegou aos ouvidos do povo sob a forma de consternação. Luisa, perscrutada pela vizinhança num manifesto acto solidário, quase de pesar, acanhada pela sua humildade, resignada com o infortúnio, respondia:
- Foram os cães dos pastores!
- Tamém te digo, Luisa! Cães com sorte os qu’ atcham dinheiro na rua, não distinguindo uma coroa dum vintém.
10 comentários:
Ora veginho Chanesco que belo texto !!!Há muito que não nos brindava com um assim . Intéi m'arregalei a lê-lo , tal a formesura da sua escritura : A estória traz-nos um alerta quanto a mim ...Atcho que andam p´raí muntos "cães " a rouberem-nos o pouco que nos resta...
Muntas Recomendaçons
Quina
Mais uma bela história como só o Chanesco as sabe contar!
Ainda se lembra de mim, amigo?
Saudações, também ainda ouvi, este ano, as Janeiras...lá dei uma nota de 5 euros, para aguentar o grupo, uns amigos de manter as tradições como esta.
Caro Chanesco
eu não sei quem roubou a cesta, mas quem se regalou a comer dela fui eu, agora mesmo.
Um grande abraço
Texto de antologia. Bem hajas chanesco.
Quina
Alertar para ter cuidado com os cães é preciso. No tempo em que este episódio decorreu havia apenas um cão raivoso e hoje há uma matilha.
António
Se me lenbro de si?, ora não.
De facto há muito que nos cruzávamos mas não está esquecido. O "dispersamente" lá está na lista dos mais chegados.
Fátima
Ainda bem que se deliciou com o conteudo da cesta. Vindo de si é sinal de que a produção está no bom caminho.
Karraio
Bem-jas tu.
De antologia são os textos dos grandes mestres: Aquilino, Changoto, Torga...
Um abraço a todos
É bom ler (e recordar) sobre pessoas que, de algum modo, marcaram a nossa infância.
Lembro-me bem de ouvir o meu tio Bartolomeu a tocar guitarra e de ouvir a tia Luísa a cantar.
Curioso, ainda há pouco tempo falei com a minha prima Céu (uma das filhas do casal) sobre os meus tios...
Ricardo
Obrigado pela visita e pelo comentário.
Quanto aos filhos do ti Bartolomeu e da ti Luisa: o Zé, muito meu amigo, a Céu e a Rosinda, há bem mais de 20 anos que os não vejo. Sei entretanto, pelo que me constou, que vivem em Tomar, (será?).
Relativamente à estória não tenho lembrança (foi-me contada pela minha mãe), mas ainda me lembro dos manos ceguinhos e das histórias que contavam e das guitarradas sentados à porta do ti Celézinha ou do ti Pássaro. Contava-se que tinham estado uma tarde a tocar para um gravador de um homem de fora. Provavelmente alguém em recolha de música popular. Já me lembrei de Giacometti, que naquela altura “cirandava” pelo concelho de Idanha.
Um abraço
Chanesco,
De facto, o Zé e a Rosinda vivem em Tomar (também já não os vejo há muitos anos). Já a Céu (e a filha Vera), com quem mantemos contacto regular, vive na Póvoa de Santa Iria e, de vez em quando, vemo-nos aqui por Setúbal.
Acabei de falar com a minha mãe e transmiti-lhe a sua saudação.
Tenho muitas recordações dos Toulões e, apesar de já não ir "à terra" há cerca de oito (!) anos, não a esqueço nem aos familiares que aí tenho.
Agradeço também o comentário que deixou no "Saudinha" e convido-o a visitar o blog com a frequência que desejar, da mesma forma que faço em relação ao "Arca Velha".
Abraço,
Ricardo
Ainda me lembro de acompanhar o Ti'Bartlomeu numa das cantprias das Janeiras, ou não fosse eu parte da canalhada que lhe fazia coro pelas ruas fora, na mira de algum brinde em forma de "terrum" !! Há quantos anos-luz!!
E quando tenho "saudade do interior" e desses caminho sem fim, ondulantes, vermelhos do sol posto e da terra, aqui passo. Todas estas histórias e personagens mereciam antologia!
Saudações para ti e para raia.
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