quinta-feira, julho 16

13-2009: Metamorfose

Casulo inicial - 1ª fase

Casulo com abertura provisória - 2ª fase

Metamorfose consumada - 3ª fase

Na pungente pacatez que lancina na quietude das aldeias Raianas, a fazer crer que uma ruralidade dorida, a gravitar suspensa nos ponteiros do tempo, está à espera de melhores dias, eis que, inesperadamente, contrariando a opinião de quem suscita a dificuldade em algo de novo acontecer por aqui, surge uma fulgurante mudança metamórfica.
Originada pela intempérie que fustigou Toulões e toda a região de Idanha-a-Nova numa noite invernosa de há dois anos, estas três fotos atestam as transformações sofridas pela porta da casa, arrancada pelas marcegas, casulo onde viveram uma vida inteira a tia Adosinda e o ti Mné Régio; porta em cuja soleira o valor da honestidade e a honradez foram certa vez elevadas ao seu máximo grau. Uma história que talvez um dia ainda aqui há-de vir a ser contada.
Esta porta, abertura única de ligação da habitação com o mundo, característica tradicional do tipo de construção em algumas zonas do interior beirão, com a funcionalidade de, durante o estio, defender os seus ocupantes das agressivas temperaturas que assolam esta região, tornando-as mais escuras e, consequentemente, mais frescas.
A falta de luminosidade no interior destas casas foi também fonte inspiradora para o velho Eusébio, um alentejano de Alter do Chão que durante alguns anos fez vida como lenhador e corticeiro cá em Toulões, fazendo, nas horas vagas, de poeta e filósofo na taberna.
Estranhando o contraste entre a bracura do reboco afagado das casas do seu Alentejo e o xisto à vista das Beirãs, comparava as nossas casas, sombrias, com a mulher na sua essência, mais ou menos nestes termos:
"Estas casas sem janelas são como as mulheres: todas escuras por dentro. Entrando nelas, deixamos de enxergar, perdemo-nos nos seus meandros e tarda-se em conseguir tornar a ver a claridade do dia."


quinta-feira, julho 2

12-2009: Ao chegar a Velho


Em tchegando a velho,
Um homa é uma merda
Já nem lhe vale quem o herda
Perde o vigor, perde a posse
Mal mija, dá-lhe a tosse
Encarrapatam-se-lhe as orelhas
Mal vê po’trás das sobrancelhas
A um homa mirram-se-lhe os parentes
Ós poucos caem-lhe os dentes
Já nem tchega c’o escarro à pilheira
Malhar: nem na eira, nem na feira

Em tchegando a velho,
Um homa fica ca alma vazia
À falta de alma, sobra sabedoria
Mas, no sendo mais senhor do seu nariz,
Já ninguém faz caso do que ele diz.
(... palavras dos velhos. Eu só as alinhei.)