sexta-feira, julho 27

18-2007: FESTAS DE TOULÕES

Para todos quantos aqui chegam dando-me o prazer da vossa visita, mas, no caso, especialmente para os vizinhos, aqui deixo o cartaz das festas de verão deste ano com o respectivo programa do qual destaco três momentos:

PRIMEIRO (Sábado - 17:30h)

Faz também parte do programa das festas um momento cultural com o lançamento do livro "Cancioneiro de Toulões" pelo nosso conterrâneo Manuel Antunes Marques.
Imaginando o conteúdo desse livro, deixo uma das décimas desgraçadíssimas criada pelo ti Zé Louro, dita e cantada durante anos pelo povo de Toulões, tendo chegado até hoje como abaixo se regista.


Houve uma grande zaragata
Nos termos da nossa terra
Não quis acudir ninguém
Ao caminho de Salvaterra
O Ribeiro do Malhão
Como é bruto e revoltoso
Deu uma sova no Raposo
E esfaqueou o Barrocão
Na eira do Fontanhão
Espetou cem vezes a faca
Depois com uma estaca
Quis destripar as Lameiras
Então lá no Vale das Eiras
Houve uma grande zaragata

O Malhadil da Barronceira
Deu uma sova no do meio
Esperaram pelo correio
E foram dar parte à Zebreira
O Ribeiro da Feiteira
Mais bravo que uma fera
Cortou a cabeça à Serra
E um braço ao Serralhão
Houve grande revolução
Nos termos da nossa terra.

Archelona e Muro de Barro
Ao formarem novas herdades
Chincaram os olhos aos Frades
Lá prá Horta do Catarro
O Vale das Vacas veio num carro
E veio o Agulhão também
Porque o Vale das Azedas tem
Dez facadas na barriga
Corre o sangue à Toula arriba
E não lhe acode ninguém

Lá anda o Malhadil Cabeiro
Aos pontapés nas Lágrimas
Lá andam as Fontainhas
À bulha pelo Barreiro
Viu-se também o Chão Cimeiro
Aos Direitos fazer guerra
Mas ao ouvir gritar a Serra
Fugiu e anda a monte
Foi visto no Chão da Fonte
Ao Caminho de Salvaterra.


SEGUNDO (Sábado 19:30h)


O tradicional porco no espeto.


É tão bom que estou à vontade para garantir:

"NEM O TOUCINHO CÁ FICA!".

TERCEIRO (Todo o resto da festa)

A animação e a boa disposição estão garantidas. Para além dos artistas que constam do cartaz, estarão também presentes (por ordem alfabética): Emanuel, Mónica Sintra, Quim Barreiros, Quinzinho de Portugal, Rute Marléne, Vários Acordeonistas, etc., todos eles constantes do repertório em CD do Sr. Esteves (o homen da aparelhagem).
Fica aqui um aviso aos artistas participantes.
Dado ser tradição dançar o fandango durante o arraial, aquele que for solicitado e não o saiba tocar, para além de não receber, ser-lhe há apichada a canalha e será encorrido até ao leque da Zebreira.

BOAS FESTAS E BOAS FÉRIAS A TODOS, ... EU TAMBÉM VOU!

quarta-feira, julho 18

17-2007: A lenda de TOULÕES

O texto de hoje (transcrição integral) é da autoria do Dr. Jaime Lopes Dias, estudioso das nossas tradições e escritor erudito, que o publicou no 1º dos 11 volumes que compõem a sua obra Etnografia da Beira.
Conta-nos uma lenda sobre Toulões, que remonta aos primórdios da formação da localidade e deu origem à ainda hoje celebrada festa de Santo António.


SANTO ANTÓNIO E O LÔBO BRANCO
A ânsia de maiores rendimentos e a necessidade de melhor aproveitamento dos extensos incultos de entre Zebreira e Alcafozes, levaram alguns moradores desta última povoação - a que se juntaram outros de Monsanto e de Idanha-a-Velha - a fixar-se, no comêço do século XIX, a sudoeste da Serra da Monracha, junto da ribeira da Toula.
Surgiram as primeiras cabanas de colmo, constituiu-se o primeiro núcleo de povoadores a que vieram associar-se outros de Idanha-a-Nova, Salvaterra do Extremo e Zebreira, por forma que Toulões tinha já em 1840 mais de quarenta fogos.
Apascentando os seus rebanhos, cultivando as terras de Malhadiz foreiras do município de Monsanto, a vida, embora dura, corria-lhes em boa paz.
Em presença de extensos matagais que o duro trabalho de cada dia não chegava para desbravar, todos, homens e mulheres, velhos e crianças tinham o seu mester.
Enquanto os homens acompanhavam, rêgo a rêgo, as juntas de bois no revoltear do terreno, ou levantavam, de sol a sol, o pesado enchadão, as mulheres entregavam-se aos serviços domésticos, à sacha e à monda nos campos, e as crianças à guarda dos rebanhos.
E mal o sol despontava, lá iam todos, diariamente campo em fora, cada qual à sua ocupação.
No lar de uma das pobres choupanas, preparada já a ceia e reünidos os familiares, faltou certo dia o mais tenro dos pequeninos.
Debalde esperaram os seus, por largos minutos, o regresso.
Divulgada a notícia pela povoação, todos os moradores, núcleo de bons vizinhos, onde os desgostos como a alegria de um são desgostos ou alegria de todos, pressentindo desgraça, correram à porfia, montes e vales, a gritar e a clamar inutilmente pelo infeliz desaparecido.
Passaram dias, correram meses, e novas crianças faltaram.
Inùtilmente procuravam aquelas almas aflitas, na simplicidade dos seus conceitos razão justificativa de tão grande desgraça!
Os mais velhos, baseados na velha crença de que lôbo que uma vez se alimente de carne humana passa a atacar e procurar o homem, atribuíam àquelas feras a sua dor, o seu luto.
Toulões passava dias aflitivos.
Um grupo de homens bons, seguros na sua fé, resolveu tomar a iniciativa duma festa a Santo António, advogado das coisas perdidas e patrono dos vivos, para que os livrasse de tão grande dano.
A festa realizou-se, efectivamente, com o maior luzimento, e desde então, aquêle pequenino povo, escudado na sua devoção pelo santo, passou a viver confiante, sem maiores receios. Desaparecera a origem dos seus sobressaltos e da sua dor.
Dificuldades monetárias que surgiram, ou desleixo que o nosso povo costuma bem traduzir nas palavras «só lembra Santa Bárbara quando faz trovões», deixaram que a festa caísse em desuso.
Passaram dias, anos, e quando todos se julgavam em boa paz e segurança, Jerónimo Manso, de poucos anos de idade, que apascentava o gado de seus pais, foi súbita e inesperadamente atacado por um lôbo de côr pardacenta com uma malha branca no abdómen. Às garras da fera teria perecido se lavradores que próximo andavam não tivessem acudido com rapidez aos gritos aflitivos do pequeno.
Ao pobrezinho pôde ainda a fera roubar um pedaço de couro cabeludo, pelo que teve de usar, durante tôda a sua vida, que foi comprida, um pedaço de cabaça das de trepar, para proteger a parte desnudada.
Estava o povo de TouIões reentrado em amargurados dias de desassossêgo e intranqüilidade!
Era preciso dar caça à fera, empregar os últimos esforços para que, de uma vez, se limpasse o lugar daquela peste.
Exímios caçadores percorreram as redondezas. Viram o lôbo, chegaram mesmo a atirar-lhe.
Voltar a cumprir a promessa feita a Santo António era dever de boa gratidão, remédio certo, no crença e fé de TouIões.
E a festa. embora à custa de sacrifícios, ressuscitou.
Veio a música, e à missa, que foi a grande instrumental e com tôda a pompa, acorreu todo o povo debaixo da mais funda impressão. E quando todos se preparavam para fazer sair a procissão: pendões já no ar, insígnias multicolores de confrarias a dar nota garrida, alguém veio dizer que o lôbo fôra encontrado morto no campo.
Muitos correram a certificar-se da veracidade da boa nova. Hossanas a Santo António! A fera estava efectivamente morta! Lágrimas de dor, mas lágrimas de alegria! Santo António, que era já Santo, passava a ser, mais do que nunca, protector de Toulões e advogado das coisas perdidas!
E a fé que revolve montanhas, a fé santa e pura que salva e redime, passou a ser mais sólida e mais vigorosa do que nunca entre os incansáveis e bons vizinhos da Toula: os toulões.



A FESTA ESTÁ À PORTA, O PROGRAMA VEM A SEGUIR!

sábado, julho 7

16-2007: Na Rota das Maravilhas


Núcleo de moinhos de água recuperados no rio Ponsul, a jusante da barragem de Penha Garcia.

A desertificação e o despovoamento do interior são um facto indubitável. Progrediu na proporcionalidade inversa com que se degradou a actividade agrícola, cuja mola real, vítima de pasmo, não deu mais sinais de reacção e ficou sujeita ao cerco da UE, rendida ao sistema de subsídios para não morrer de asfixia.
Mas o futuro, que também passa por aqui, nem todos os dias se apresenta de ar sisudo. Os que conseguirem arrancar-lhe um sorriso, por certo irão ver as suas vidas recomporem-se de tantos e sucessivos tombos e, como não há bem que nunca acabe nem mal sempre dure, (prefiro dizer assim) da desertificação também surgem oportunidades.
À semelhança do sucedido com as nossas aldeias históricas (as Idanhenses), a aposta no turismo de ar livre parece estar a dar uma nova vivacidade a estes pequenos aglomerados populacionais, onde só o relógio da torre parece não ter deixado de acompanhar o ritmo do tempo.
Aproveitando alguns recur- sos com que a natureza graciosamente obsequiou estes locais, a partir desta realidade, gera-se riqueza em benefício desta zona, garantindo melhor qualidade de vida a muito boa gente jovem.
Escarpa quatzítica em Penha Garcia

A prová-lo, está a iniciativa em boa hora tomada pela Naturtejo, empresa intermunicipal integrada por 6 municípios, que se revelou um sucesso.
A apresentação da candidatura de um território que ocupa uma área de 4500 quilómetros quadrados, distribuída pelos municípios aderentes pela qual estão dispersos 16 monumentos naturais (Geossítios - vê-los aqui), foi coroada de êxito no Verão de 2006, ao ser classificada pela UNESCO como "Geoparque da Meseta Meridional".
Para esta empresa, na voz do seu presidente, «o Geoparque Naturtejo é a galinha dos ovos de ouro para os municípios abrangidos.»
E com toda a razão!
Eu, que mantenho sempre algum cepticismo relativamente ao que mexe com esta região, reconheço que este projecto tem pernas para andar. E digo reconheço, não por conhecimento de causa, mas pelo que por aqui se vai observando.
Penha Garcia - Trilobites, rasto de seres marinhos extintos há 250 milhões de anos.
Se hoje pareço ser incoerente com o que disse no post anterior, a realidade é que, neste caso, o investimento privado (criação de infra-estruturas para alojamento e lazer), supera o público (recuperação e manutenção dos locais a visitar) sinal de que as previsões de sucesso foram bem medidas.

A classificação atribuída desencadeou o designado Turismo de Natureza no Centro de Portugal e, pelo seu interesse, justificado com a organização de Rotas pedestres (vê-las aqui) e visitas a monumentos naturais, e outros eventos relacionados, já começou a atrair à região da "Raia Perdida" um grande número de turistas que põem a bulir actividades tradicionais que pareciam adormecidas.
Aqui estou apenas a referir-me ao que constato nas aldeias vizinhas que rodeiam Toulões, todas do concelho de Idanha-a-Nova: (ver Mapa aqui)
Penha-Garcia (Rota dos Fósseis - Parque Iconológico onde as formações rochosas guardam fósseis de seres pré-históricos, Rota do Contrabando e Moinhos do Ponsul), sobre a qual reportam estas fotos, Monsanto (Inselberg Granítico) e Salvaterra do Extremo, Segura e Rosmaninhal (Rota dos Abutres na área protegida do Tejo Internacional) Monfortinho (Rota do Contrabando) sem esquecer algumas que, não sendo abrangidas por este programa, merecem a honra de uma visita.
É o caso de Idanha-a-Velha, aldeia histórica amplamente divulgada por albergar um património histórico de inestimável valor, Medelim (aldeia dos balcões) e Prença-a-Velha (Núcleo Museológico do Azeite) onde um programa cultural com organização da iniciativa da Proençal - Liga de Desenvolvimento de Proença-a-Velha - faz periodicamente reviver as tradições que marcaram a vida dos mais antigos.

Para quem aprecie, tudo isto é vivamente recomendável.
Perder-se também quer dizer deslumbrar-se, mas perder-se e não se achar é deslumbrar-se perdidamente.
Com tanta coisa bonita que há por aqui, nestas férias perca-se por cá. Vale a pena visitar toda esta região de gente aberta e verdadeira.
E se por estas terras vos perderdes e não vos achardes é porque estais em TOULÕES. Não foi bafejada por nenhuma das maravilhas atrás citadas, mas garanto-vos que há muita hospitalidade e simpatia para distribuir.
Aqui, "uma côdea de centeio nunca se negou a quem cá veio, mesmo sabendo que "para o diacho que o amassou, nem uma côdea sobejou".