segunda-feira, abril 28

10-2008:Rua dos Toulões

RUA DOS TOULÕES
(Aldeia de João Pires - Penamacor)
O post de hoje é especialmente dirigido aos Toulonenses que às vezes por cá se perdem.

Diz quem sabe que um topónimo, para além de constituir um referencial para cada lugar, possui também um significado de grande importância para as gentes desse lugar.
Tal como uma alcunha, quando assenta, acompanha uma vida até ao seu termo, quantas vezes ramificando na árvore genealógica de geração em geração, tendo tido na sua origem uma razão de ser, também o topónimo perpetua no tempo um valor inerente a acontecimentos marcantes da vida social e cultural de um povo.
Em Toulões, nome que parece ter brotado da mesma nascente que fornece água à ribeira da Toula, a atribuição de topónimos não foge à regra.
Cada barroca, cada cabeço, cada chão, etc., está identificado por um nome, às vezes sabe-se lá com que significado, mas sempre a simbolizar uma homenagem a algo ou alguém que ficou ligado à razão pela qual foi baptizado esse lugar.
O mesmo acontece com as ruas do povo, as quais, desde a formação deste aglomerado urbano, foram nomeadas, geralmente relacionando-as com a peculiaridade de um morador ou com uma qualquer singularidade que caísse no goto da população, ficando apenas gravado na mente de cada um.
E ninguém lhe trocava o nome.
A título de exemplo, vá-se lá saber por que razão o
Terreiro das Baraças (largo que hoje perdeu o nome), situado na confluência das agora ruas da Senhora das Cabeças e do Café Novo, não poderia ser o Terreiro da ti Pilheta ou do ti Sabiel (Xavier), o Terreiro do ti Canilhas (ferreiro), ou mesmo o Terreiro do do ti Margaça, ou o Terreiro de outros ainda, todos tão legítimos moradores no largo como a família Baraças.
Já no pós 25 de Abril (aí por 1979), com a chegada de uma mais moderna forma de distribuição do correio, porta a porta, houve a necessidade de atribuir número de polícia a cada uma as casas e identificar as ruas atribuindo-lhes um nome.
Neste ponto custa-me aceitar o facto de (e a constatação não é só minha) nenhum Toulonense ter merecido a honra de ter sido evocada a sua memória numa lápide marmórea à entrada de uma rua.
Dizendo mais, apenas 4 pessoas tiveram essa honra: três santos e um rei.
Santo António e Nossa Senhora das Cabeças, padroeiros da aldeia, e ainda São José, patrono dos carpinteiros e por dois venerado: pelo ti Tchica que lhe fez o andor com madeira tirada do pinho mais nobre que se criou na Morracha e pelo velho Beirão (o velho Tchuço, tão atentado pelos garotos) que lhe ofereceu um bordão de marmeleiro, descascado, e desempenado, ao lume e posto a secar num depinduradouro fixo na parede da oficina.
Afirmava ele no dia da ofrenda: "há de lhe florescer um botão de gagula na ponta".
Ao rei D. João IV, foi-lhe concedida essa homenagem, não pelo feito de nos ter libertado dos espanhóis (talvez hoje esteja arrependido) mas porque, segundo consta, doou algumas terras do termo às gentes de Toulões. Foi uma forma de recompensar um bravo soldado, filho deste lugarejo de pastores pendente das faldas da Morracha, por ter dado umas jeiras a ajudar na restauração da soberania do país.
Mas como a história também é feita de deduções, às vezes pouco sustentadas, por mim, diria que Independência por independência, para Toulões foi mais importante a promovida pelo Eng. Borges de Almeida, forasteiro mas proprietário nesta terra, que em 1951 conseguiu convencer autoridades civis e eclesiásticas a conceder ao lugar o título de freguesia, rompendo a forçada ligação umbilical que a ligava à Paróquia da Zebreira, tantas vezes motivo de desavenças.
Também a Principal, que deu nome à Rua, não é mais importante que a Dona Carolina, ou que o ti Zé Magro, que, com a sua influência, proporcionaram a tantos toulonenses a franquia das portas para um melhor futuro com um emprego em Lisboa; ou que o Capitão Geraldes a quem, em parte, se deve a atempada vinda da luz eléctrica e, não fora a revolução de Abril que interrompeu a obra ainda na fase de terraplanagem, também a estrada para a Granja que encurtou o caminho para a sede de concelho, terminada há dez ou doze anos, lhe seria devida.
De referir que o nome uma quinta pessoa, o Dr. Francisco Baptista, na qualidade de Presidente da edilidade Idanhense, teve direito, há cerca de meia dúzia de anos, a figurar numa placa, apadrinhando o "Largo da Cabine" que não tinha nome oficialmente atribuído.
Se de acordo com a Lei em vigor, compete também às juntas de freguesia a responsabilidade de apresentar propostas às Comissões de Toponímia das Câmaras Municipais para dar nomes de às Ruas, Largos, etc., penso que a mesma competência poderão ter para os alterar.
Se assim for, deixo aqui a sugestão de renomear algumas ruas de Toulões, atribuindo-lhes nomes de insignes beneméritos desta povoação.
Poderia começar-se pela Rua do Chanesco. Não este que está aqui a escrever para nenhures, mas qualquer um dos que com as suas tchanesquices fez algo de merecedor para poder figurar nos anais da história dos Toulões.
Um grande abraço a Todos

quarta-feira, abril 2

9-2008: Sra do Almortão

A romaria da Senhora do Almurtão, fervorosamente celebrada pelas gentes do concelho de Idanha-A-Nova, era certamente, e continua a ser, a maior manifestação religiosa da Raia Perdida.
À capela, construída no sítio da Água Murta onde, segundo a lenda, "- Milagre! Milagre! - apareceu aos pastores uma linda e resplandecente imagem da Virgem em cima de um murtão (moita de murtas)" chegavam, nos dias de romaria, milhares de romeiros para, numa devoção matriarcal, assistir às celebrações eucarísticas em louvor da virgem padroeira do concelho e Lhe "dar as alvíssaras" com cantares ao toque do adufe, instrumento musical que é o símbolo máximo da tradição idanhense.
Em tempos passados, terminadas as celebrações religiosas, famílias inteiras partilhavam um farnel composto das mais variadas iguarias, preparadas atempadamente (galinha dourada, almôndegas e pastéis de bacalhau, ovos verdes e outras), bem regadas com tintol da região. De sombra em sombra dava-se a salvação aos amigos, provava-se-lhe o repasto e fazia-se a festa.
Era o extravasar de toda a alegria reprimida durante a vivência Quaresmal, terminada apenas 15 dias antes.
Promessas saldadas, fazia-se viagem de regresso a casa, cada qual à sua terra, conscientes do dever cumprido.

As alvíssaras com o acompanhamento dos acordeonistas Tónho Coto, ti Brás (do Salvador) e ti General. No bombo a Serraninha marca o compasso.



Mas os tempos mudaram.
Se o progresso encurtou a viagem, reduziu também a devoção.
Com melhores acessos e o automóvel, rios de gente desaguam na romaria da Senhora do Almortão, formando um mar fervilhante pelo recinto da festa. Mas a fé, de um modo geral, já não é a mesma.
Chega-se, dá-se uma volta pela feira, assiste-se à missa porque fica bem e, terminada a procissão, numa pressa, ruma-se a casa "a ver do almoço" ou mata-se a "malvada larica" numa das muitas barracas de comes e bebes, quais restaurantes improvisados.
Só os mais tradicionalistas, certamente mais devotos, ainda se mantêm fiéis ao piquenique à moda antiga, em cima da manta de arêlos que outrora, para além de servir de toalha, servia também para enfeitar a albarda do meio de transporte.
Hoje tudo é diferente.
Falta a sobriedade e o respeito.
Por estes valores que se impõem em qualquer local de culto, e aqui a Confraria, como organizadora do evento, tem a sua quota de responsabilidade, talvez não se devesse permitir o ambiente abarracado que hoje se apoderou da envolvência da festa, contaminando mesmo a capela, tão bem pintada com as palavras de Eugene Galateanu (Poeta Romeno).
Entende-se que as receitas originadas pelo aluguer de espaço aos feirantes deixam tolerar uma certa anarquia no "armar das tendas" dentro do recinto e fora dele. É só ver a parafernália de artigos espalhados pelas zonas de circulação a atrapalhar quem passa, ou mesmo a barulheira infernal dos muitos sistemas de amplificação sonora apelando ao consumismo, que às vezes têm de ser mandados calar pela autoridade, por interferirem com a solenidade da missa campal.


O que não se entende, é que se pense menos em quem visita o local, deixando-se transmitir ao visitante a sensação de negligência e de desleixo.
Mas como critérios são de quem os deixa, este é apenas um desabafo.

Estou em crer que a Senhora do Almortão, nem se importaria que o custo do valioso manto que lhe é oferecido ano a ano, ricamente trabalhado, uma vez por outra mais modesto, seja aplicado de forma a dignificar um pouco melhor este local, uma referência para tantos Raianos da Beira.