quinta-feira, dezembro 16

18-2010: POSTAL DE NATAL

Queria deixar aqui um mensagem de Natal, tão doce como as filhozes, os bronhuelos ou as fatias paridas que nesta quadra vão à nossa mesa. Mas como o país, num período em que o consumismo não distingue racionamento de açambarcamento, vive por estes dias num déficite de açúcar, deixo este poema de António Gedeão para adoçar o espírito natalício:


Dia de Natal

Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros - coitadinhos - nos que padecem,
de lhes dar-mos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.
Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos, entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor anuncia o melhor dos detergentes.
De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?

Não seja estúpido!
Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.
Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,

com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico,
de metal, de vidro e de cerâmica.
Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.
A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra - louvado seja o Senhor! -
o que nunca tinha pensado comprar.
Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
Cada menino abre um olhinho na noite incerta para ver se a aurora já está desperta.
De manhãzinha salta da cama, corre à cozinha mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!
Na branda macieza da matutina luz aguarda-o a surpresa do Menino Jesus.
Jesus, doce Jesus, o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho do Pedrinho uma metralhadora.
Que alegria reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas a caírem no chão como se fossem mortas:
tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá fingiam que caíam crivados de balas.
Dia de Confraternização Universal, dia de Amor, de Paz, de Felicidade, de Sonhos e Venturas.

É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

quinta-feira, outubro 14

17-2010: Dia Mundial da Mulher Rural

Desde 1995, aquando da realização da 4ª Conferência das Nações Unidas em Pequim, que o dia 15 de Outubro foi institucionalizado como dia Mundial da Mulher Rural, "uma forma de consciencializar a opinião pública mundial acerca do papel da mulher rural no fortalecimento da sociedade, da economia no geral, e das famílias em particular."
Numa breve pesquisa no Google, verifica-se que exceptuando a Espanha (único país europeu referenciado pelo mototor de busca), país onde a comunidade rural esta bem organizada e onde é dado algum destaque à importância mulher no meio rural, os países onde esta efeméride é celebrada, cerca de 100, talvez com excepção do emergente Brasil, são países pobres de África, Ásia e América do Sul. É nesses países, onde as populações revelam maiores dificuldades para conseguir respirar no meio subdesenvolvido em que vivem, que a mulher é considerada o elemento primordial na luta contra a fome e a subnutrição.
Por cá, neste rectângulo de terra quase a cair ao mar, o dia Mundial da Mulher Rural tem desde entao passado completamente anónimo.
Ou os governantes, que se vêm sucedendo, e que deixaram a nossa economia dependente essencialmente do sector terciário, a viver de serviços e negociatas pouco claras, que busca lucros rápidos sempre sujeitos à supervisão do mamão estrangeiro, não reconhecem na ruralidade a importância que lhe deve ser atribuída, ou se sentem constrangidos por eles próprios a terem deixado entrar em declínio até ao abandono completo.
Talvez por esta visão condicionada entre palas de muar, imposta pela UE e direccionada para um futuro incerto, com estudos e projectos de revitalização agrícola que não saem do papel, também não lhes permite ver nas mulheres que ainda resistem a viver no meio rural, a capacidade e o mérito de poderem contribuir para a melhoria da nossa economia.

No que à mulher beirã diz respeito, abnegada, forte, que sobrevive do meio rural na luta por melhores dias, os nossos governantes não vêm nela a verdade reflectida no refrão da cantiga que identifica as mulheres desta região:

Eu nasci na Beira
Sou mulher pequena
Sou como o granito
Bem rija e morena

terça-feira, julho 13

16-2010: Uma adivinha



Se não passasse quem passou,
passava,
assim,
tendo passado quem passou,
digam lá quem não passou?

terça-feira, junho 8

15-2010: Santo António de Toulões

Esta imagem fez capa do jornal "Raiano" em Junho do ano passado e vinha acompanhada da seguinte notícia:


UM SANTO ANTÓNIO DIFERENTE

Alguma vez tinha de ser: celebrar e evocar o santo padroeiro de Toulões no seu próprio dia, 13 de Junho.

A festa começou na noite anterior e Toulões despovoou-se e saiu à rua para ver a marcha dançar. Com arcos e balões e muita alegria! Um pequeno altar à entrada da igreja, belamente engalanado, era encimado com uma imagem renovada de Santo António. Depois foi a sardinhada e a festa até às tantas. "um exemplo para todo o concelho dizia o presidente da Câmara que, também esteve presente.
No dia seguinte foi a missa e a procissão; e ninguém estranhou aquela senhoras, vestidas como na noite anterior, irem assim à Igreja...
De parabéns, pois, todo o povo de Toulões, o grupo dinamizador, os festeiros do ano passado que custearam a restauração da imagaem e, claro está, a Junta de Freguesia que, desde a primeira hora, apoiou a iniciativa e deu, ainda, as apetitosas sardinhas.
"Muito poucos fazem muito"

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Este ano, com as movimentações em redor das marchas do Santo António ao retardador, dada a guarda do respeito pelo falecimento da ti Isabel "Caixeira", membro de uma enorme família densamente ramificada em Toulões, que deixou uma boa parte da população consternada, os ensaios para as marchas dos Santos Populares parece não estarem a gerar grande entusiasmo.
Apesar de tudo, e para fazer valer a força da tradição, as marchas e as fogueiras de rosmaninho não vão poder faltar. A beleza dos trajes confeccionados pelas mulheres participantes, que no ano passado mereceu os mais rasgados elogios, ir-se-à mostrar de novo este ano num desfile pelas ruas do povo.
Estão todos convidados a visitar Toulões nos dias 12 e 13 de Junho. Tambem aos visitantes se aplica o lema com que termina o texto de autor não identificado publicado pelo "Raiano".
"Muito poucos fazem muito"
(Se ocasionalmente forem surpreendidos e tiverem de atravessar um defumadouro, aproveitem que é por uma boa causa).

quinta-feira, maio 20

14-2010: Vegaviana em imagens







Dada a impossibilidade de mostrar fotos do interior da igreja, onde a arte moderna está bem patente, deixo estas, retiradas do livro de Florián Caro Cerro.

















Esta levantada a proibição de passar por VEGAVIANA.

terça-feira, maio 11

13-2010: FÁTIMA de VEGAVIANA

Raros são os raianos com raízes nesta região da Raia Perdida, tanto os residentes como os que vivendo fora, vindos aqui no Verão ou nos períodos festivos para matar saudades da família e dos amigos, que fruto do bom relacionamento transfronteiriço não dêem de quando em vez um saltinho até Espanha. Nem que mais não seja para mudar de ares, para satisfazer apetites com "una copa" ou aproveitar para abastecer o carro de combustível. O ganho na diferença de preço permite fazer quase à borla o trivial percurso com entrada pelas Termas de Monfortinho, Cilleros (local de abastecimento, que com menos 20 cts/litro já arrumou com as bombas das Termas), Moraleja, (às vezes até à histórica Cória e voltar), Zarza-la-Mayor (paragem para "una caña" no bar da "pista" e uma visita ás lojas de Pedro Gazapo ou de Antonio Pantrigo) e regressar a Portugal por Salvaterra do Extremo, tirando partido da recém-inaugurada e não menos polémica "ponte" sobre o rio Erges, construída para encurtar distâncias entre salvaterrenhos e zarzenhos.
Ora este trajecto, fechado em Toulões, constitui o perímetro de uma área bem no centro da qual se situa el pueblo de Vegaviana, um pequeno aglomerado populacional construído de raiz (inaugurado em 1955) como meio de albergar e fixar um grupo de colonos oriundos de povos das redondezas (incluindo um tal Aleixo Vaz Carreiro, de Idanha-a-Nova). Num tempo em que não existia "el paro", mas em que conseguir trabalho era tarefa árdua, decidiram abraçar um projecto governamental de desenvolvimento agrícola da zona de regadio do vale do rio Arrago, proporcionado pela construção da barragem de Borbollón.
Com projecto da autoria do arquitecto D. José Luis Fernández del Amo, esta pérola da arquitectura rural, formando um casario de edifícios brancos, harmoniosamente dispostos numa clareira de montado de azinho e sobro, é considerada a nona mais importante obra arquitectónica levada a cabo em toda a Espanha durante o Sec. XX, mas que só desde 22 de Junho de 2009, por "resolución de la Consejería de Cultura y Turismo", foi declarado BIC (Bien de Interés Cultural) na categoria de "conjunto histórico".
Talvez por não possuir o comércio a que os portugueses se acostumaram, nem nunca ter sido destino de café contrabandeado nesta zona de fronteira (de todas as histórias de contrabandistas contadas em Toulões, com tantas terras nomeadas, nunca Vegaviana ouvi referida) e de não usufruir da divulgação que merece, a localidade ficou excluída do habitual roteiro de visitas por terras da "raya extremeña".
Mas, para os portugueses que eventualmente venham a descobrir esta aldeia, tal como eu a descobri casualmente, (apesar de em duas ou três ocasiões, no início da década de 80, ter estado em visita a familiares que trabalhavam numa "finca" dos arrabaldes na apanha do tomate e do pepino de conserva) o principal atractivo nem será unicamente o conjunto arquitectural que lhe dá forma.
Deve ser realçada uma escultura dedicada aos colonos fundadores desta comunidade, colocada em lugar de destaque na praça principal, de fronte do edifício do Ayuntamento e da igreja de «Nuestra Señora del Rosario de Fátima», monumento cujo frontespício ostenta um gigantesco painel em azulejo representando a aparição da Virgem aos pastorinhos na Cova da Iria.

Aliás, esta crónica veio a lume dada a analogia entre as celebrações religiosas do 13 de Maio que decorrem por estes dias no Santuário de Fátima e os festejos levados a cabo em Vegaviana, precisamente com a intenção de evidenciar a particularidade colhida em Portugal pelos habitantes deste recôndito lugar, ao terem adoptado como sua patrona a Santa com maior representação ente nós.

Diz Florián Caro Cerro no seu livro "Vegaviana", com publicação integrada nas comemorações do cinquentenário da aldeia, em 2005, e do qual saiu alguma da informação aqui exposta, que a razão de tanta fé em Fátima (quando a Espanha religiosa se entrega em devoção à vigem del Rocio, ou aqui por perto à Virgem de Sequeros ou à Virgem de la Veja), se deve à proximidade com a povoação de Temas de Monfortinho.
Eu até diria, e especulando um pouco com a história de Toulões e seus arredores, que esta tomada de decisão teve a influência de João Castelhano, um pastor, pregador de circunstância, que naquela época induziu ao logro muitas almas, por estas terras e além fronteira, ao inventar aparições de Nossa Senhora sobre tudo quanto era carrasqueiro, acabando preso sem honra nem glória.
As suas aventuras, com tempo, jeito e paciência, ainda poderão vir aqui parar.
MAIS FOTOS NO PRÓXIMO POST
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quinta-feira, abril 29

12-2010: Sra. do Almortão, post-romaria

A devoção a nossa Senhora do Almurtão, por estas terras raianas, está patente em todos os lugares do concelho de Idanha. A cada pé-de-passada, a ver pela abundante iconografia, pelas loas que Lhe são cantadas com dedicácia ou pelas orações a Ela dirigidas, que tantas vezes arredondam em promessa, encontramos sinais que não deixam dúvidas acerca da fé Nela depositada pelas gentes daqui.
Embalada por esta fé, a Paulinha propôs-se receber o João como marido na presença da “nossa Santa”, tendo a celebrar esta união sacramental o Sr Padre Adelino, conceituada figura da cultura idanhense, fazendo questão, numa pequena homilia, em realçar o esforço, tando dos noivos como dos convidados, de terem vindo propositadamente de Castelo Branco (ida e volta 80 Km) assistir a esta singela cerimónia, no recato da capela, sem a agitação da romaria.
Tomando conhecimento de que muitos dos convidados presentes eram oriundos dos Toulões elogiou as suas gentes referindo: “ainda na Segunda-feira, um grupinho de Toulões cantou desalmadamente, ali no alpendre à porta da capela, a manifestar a sua fé em Senhora do Almotão”.

Felicidades ao novo casalinho!!!

sábado, abril 17

11-2010: Senhora do ALMOTÃO


Painel de azulejo a embelezar a padieira de uma porta no lugar de Torre (Monfortinho)

Tal como aqui por Toulões nunca será desfeita a dúvida de saber se a nossa serra é da Morracha ou da Murracha, também em toda a zona raiana se discute qual a forma correcta de grafar o nome da protectora de toda a campanha idanhense: Senhora do Almortão ou do Almurtão?
Apesar do nome da santa, segundo a lenda, estar ligado à toponímia do sítio da sua aparição, Água da Murta, o povo raiano tende em dizer Almortão, em vez de, como seria mais natural, Almurtão.
Para além destas duas formas, existe também muito boa gente que pronuncia: ALMOTÃO. Pensava eu que esta forma de chamar Nossa Senhora, quase nomeada, se devia ao facto de, por uma questão de facilidade de articulação, o povo comer letras às palavras ou então de, por no percurso entre o ouvido e a boca, costumar transformar alhos em bugalhos, mas não.
Segundo referido na obra do Dr. Jaime Lopes Dias, Etnografia da Beira, 3º vol., o autor explica assim a razão da adopção desta forma de designação:

Na 1ª edição eu escrevi Senhora ao Almurtão. Ouvindo o meu saudoso mestre e amigo Dr. José Leite de Vasconcelos, este respondeu-me: «Quando faltam formas antigas de um nome geográfico, de certo não é fácil dar explicações dele.
No nosso caso, Almotão, regulando-nos pela forma actual, poderia explicar-se por al-motão, sendo motão aumentativo de mota, e al o artigo arábico que se junta às vezes a nomes não arábicos. A significação seria, pois «a mota grande».
Mas digo isto com todas as reservas. «25-III-1928».
Adopto, por isso, agora a forma popular Senhora do Almotão.
Mota designa: arrimo, apoio, defesa.
E pronto.
Segunda feira, dia 19, cumpre-se mais uma vez a tradição de rumar até Água da Murta para venerar a padroeira e estender a merenda à sombra de um azinheiro.
Eu, que não vou poder lá estar (por uma questão logística só lá estarei dia 24, mas a merenda é depois em Castelo Branco), deixo aqui a minha quadra de alvíssaras:
Senhora do Almotão
Quém Vos deu o Vosso nome
Foi o povo da Idanha
Que p'ra Vos dar passou fome

sábado, março 20

9-2010: Primavera


Este ano a Primavera chegou enfouceda. Ainda ningém deu por ela.
Não fora a marca no calendário ainda amolecido pelo gemer da humidade adensada por este Inverno, a confirmar o dia da sua comparência, muitos terão pensado ter-se ela perdido do Norte, tal como a passarada de arribação que deve estar em decanso nalgum porto de abrigo à espera de melhores dias para dar continuidade ao ciclo migratório.
Para os que esperam ansiosamente pelo renovo dos campos e pela chegada das andorinhas, agentes de contágio do virus da alegria, tenham cautela: o cuco, parasita, usurpador do bem estar comum, também estará aí a rebentar por estes dias.

terça-feira, março 16

8-2010: Frandesca


É verdade, o trabalho mata
Mata a fome, mata o tédio
Mata. Dá saúde e mata
Mas trabalhar, que remédio

Sorte a de quem trabalha
A de quem a horas come
Sorte é ter uma navalha
E com ela matar a fome

Na casa onde tudo ralha
Por não ter que manducar
Sempre que o trabalho falha


Quando se a fome quer matar
Para que serve uma navalha
Se não há pão que anavalhar

Toulões, Setembro de 2009


quarta-feira, março 3

7-2010: EVÃO4

Parece que ainda ontem andava à voltas com o quebra cabeças do blogger, a fim de dar vida a esta arca e a por a navegar no espaço internáutico, eis senão quando, por entre altos e baixos, dei por 4 anos passados.

A todos os que por cá vão passando, conterrâneos ou forasteiros, comentando ou não, deixo um grande abraço de amizade.

terça-feira, fevereiro 23

6-2010: Entrudo 2010 - Toulões (crónica)


Fazendo fé na profecia de Nossa Senhora das Candeias, antevisão meteorológica para o período que se segue ao dia 2 de Fevereiro, já se previa que o Inverno iria ser rigoroso nestes dias mais próximos.
Este provável desconforto, sem a presença dos primeiros raios de Sol primaveris, que nos últimos anos, por esta altura, já dão tempero aos dias ainda aziagos de tamanha invernia, não arrefeceu as expectativas criadas em torno do sucesso do Entrudo do ano passado.
Os muitos foliões que aderiram à iniciativa, assim como a população em geral, que a gosto seguiu aderrabo do cortejo, quase tão concorrido como a procissão da festa de Santo António, nunca mostraram a parte fraca. Convenhamos que o almoço agendado para este dia, resultante do ofertório das Janeiras, bem servido e melhor regado, deu metcha basta para enfrentar a friagem que rebota da espanhola Serra da Gata, "um parapeito onde esbarram os ventos húmidos do Atlântico", denominados por "nuestros hermanos extremeños" de "aires de Portugal". (Ainda me hei-de inteirar de qual é o ditado, em espanhol, equivalente ao nosso "de Espanha, nem bom vento nem bom casamento")
Tal como no ano passado, o carnaval dos Toulões, sempre longe da sátira política e social (aqui prevalece o terra-a-terra da diversão pela diversão), foi o mais trapalhão possível, tendo havido trapalhadas para todos os gostos.
Desde a Vaca-galhana, que não podia faltar, este ano exibindo um disfarce bem americanizado, modernizando-se e dando mostras de adaptação aos tempos que correm, até às bruxas que, antigamente, ao bater da meia noite povoavam os terreiros e exerciam a sua magia maléfica libertando a diabólica, que fazia das suas por esses compos fora, e açulando a má-hora a dar caça aos noctívagos mais incautos, todos, com disfarces urdidos de maior ou menor sofisticação, se equivaleram na hora de se expandir com alegres brincadeiras.
Os mais novos, nesta onda de colagem ao Carnaval importado, não deixaram créditos por mãos alheias.
Entre os mais velhos, um grupo vestido a rigor trouxe à memória o tempo das ceifas, o tempo em que a alegria no trabalho atenuava a dureza castigadora imposta pela canícula. Nem sequer faltou uma espontânea representação do "estender da merenda" ou do "fazer uma bola" para retemperar as forças consumidas pela árdua tarefa, não de ceifar, mas de ter percorrido as ruas do povo numa caminhada de mais de hora e meia.

E não fora ali ainda dada por finda a jorna.
À noite, estes mesmos ceifadores, no caso mais as mulheres, reeditaram o balho à moda antiga, aprofilando-se com trajes de gala, à época usados ao Domingo ou em ocasiões festivas, peças de uma indumentária pacientemente confeccionadas. Notou-se nelas o orgulho de mostrar o "feito por nós", autênticas obras de arte dos lavores, revelando pormenores de grande genuinidade e tão perfeitos que bem mereciam ser apreciados fora de Toulões. Desde os xailes bordados com ponto de Castelo Branco, às simples algibeiras de cinta rameadas a ponto cruz, às saias, aos corpetes e aos mandis, tudo enfeitado com nastro de várias cores, numa harmonia há mais de 50 anos guardada no baú que, sabe-se lá, estará de novo na moda num futuro menos longínquo do que se pensa.

5-2010: A nova Vaca-galhana



A Vaca-galhana não podia faltar ao Entrudo dos Toulões. Para mais, este ano, entusiasmada com a internacionalização trazida pela oportunidade de se ter tornado a imagem de marca da equipa americana Basket da NBA dos Chicago Bulls, saiu à rua com um estilo muito yankee, muito espampanante, a fugir ao padrão tradicional a que os toulonenses não estavam avesados.

quarta-feira, fevereiro 17

4-2010: Entrudo 2010 - Toulões

Uma azelhice de carácter tecnológico obrigou-me a atrasar a publicação deste post, mas mesmo assim não quero deixar de vos dar parte do que aconteceu nas ruas de Toulões no passado Domingo Gordo.

À falta de Sol, (diz-se que quando nasce é para todos, mas neste momento só tem olhos para a governanta das trevas, a Lua, fascinado pela sua face oculta), que deixou o dia enfoucedo, com 2 graus de temperatura e a ameaçar chuva, pouco convidativo a diversões fora de portas, não demoveu os foliões de sairem de casa e o substituirem, banhando as ruas dos Toulões com réstias de alegria e boa disposição.

domingo, janeiro 31

3-2010. As Janeiras (2)

O "cantar das janeiras" em Toulões, nos últimos anos trazido prá rua por um empenhado e animado grupo de conterrâneos, de modo a confraternizar e fazer a festa, dando um safanão na letargia que teima em se querer instalar no quotidiano das aldeias raianas, é visto como uma forma deste povo, cujo futuro se considera ultrapassado, viver o presente com um novo vigor.
Apesar do entusiasmo patente no semblante dos mais velhos, que usufruem sofregamente destes pedaços de memória viva, consta não terem sido as janeiras um costume muito enraizado no tradicionalismo Toulonense, contrariamente ao que acontecia noutras terras do concelho. Pelo menos, do que se conta do tempo em ainda havia gente que se visse nas aldeias, não há alembrança de alguma vez se ter assistido ao evento da forma organizada como agora se proporciona, embora os procedimentos, um pouco mais encenados, sejam aparentemente os mesmos.
Em tempos idos as janeiras eram cantadas por um restrito número de grupos, compostos por duas ou três pessoas membros de famílias necessitadas, à porta das casas mais remediadas.
Este costume tinha aqui muito pouca expressão e foi tendencialmente desaparecendo, um pouco absorvido pelo de "pedir os tchouriços" na Segunda-Feira-Gorda (é que, enquanto se cantavam as janeiras, já esta tradição maior assomava ao postigo da entrada do mês de Fevereiro) era encarado por muita gente como um disfarçado acto de mendicidade e, só por essa razão, correspondido caritativamente graças à religiosidade que emparelha o seu lado solidário.
Apesar da boa vontade, poucos chouriços se davam às janeiras. Davam-se, isso sim, enchidos menos nobres como eram os batateiros, as farinheiras ou as morcelas, que duas ou três semanas depois da matança já tinham ajudado a lamber os dedos.
Levassem as janeiras uns butchanos ou umas mouras, já era um "viva o velho". É que os chouriços, esses, alguns feitos a preceito pelas moças namoradeiras e de reserva a uma ponta da vara do fumeiro para serem dados a um rapaz do partido, que nas vésperas de Entrudo lhe viesse cantar à porta:

Deus abençoe esta casa
Onde à noite nasce a Lua
Quando a dona vem à porta
Alumia toda a rua

Hoje já não é bem assim.

Canta-se, mas já não se dão chouriços, nem morcelas, nem nada que ao porco tenha pertencido porque já poucos matam.

Os convivas, recebidos à porta ou convidados a entrar, são agora mimoseados com doces, caseiros ou não, bebidas finas e vão-se embora a arruler.
Às janeiras, cantadas depois do sol-por durante o mês de Janeiro até se dar a volta à aldeia, dá-se dinheiro, dinheiro esse que é depois aplicado a favor da comunidade numa grande almoçarada, realizada Domingo Gordo, no "salão", para quem quiser aparecer.

sábado, janeiro 23

2-2010: As Janeiras (1)

Transcrição do artigo publicado no Diário de Notícias, na sua edição nº 1 de 1865, no Domingo, dia 1 de Janeiro."

O mez de Janeiro que os romanos chamavam de Januarius tomou o seu nome de Jano, divindade pagã que presidia aos caminhos e a quem atribuíam a virtude de adivinhar o futuro. Tem este mez 31 dias. No seu primeiro dia é ainda uso em várias terras das nossas províncias, aonde os costumes são mais puros, e as tradições mais duradouras, oferecerem-se alguns mimos e presentes, a que se dá o nome de janeiros. É opinião de graves auctores, que este costume o herdamos nós dos romanos, entre os quaes elle foi introduzido por Tacio, contemporâneo de Rómulo. Tomou Tácio por bom agouro certos ramos cortados no bosque da deusa Strenia, os quaes lhe foram a elle offerecidos no primeiro dia do anno, e esse acaso tornou-se em moda, ficando a final, costume. Dar Strena, ou Trena era o mesmo que desejar felicidades multiplicadas às pessoas a quem se oferecia um cante virtuoso e poético, passou de edade a edade a ponto de ainda, passados já vinte e seis seculos, estar arreigado no seio do povo. Também usa a gente pobre pedir as janeiras, e para isso se ajuntam ranchos de moços e moças d’aldeia, que n’uma plangente toada, cantam em coro o seu requerimento que n’algumas terras começa assim:
« Este dia de Janeiro
« É de grande merecimento
« Por ser o dia primeiro
« Em que Deus passou tormento,
« Vinde dar as janeirinhas
« Etc.»

quinta-feira, janeiro 21

1-2010: Regresso


Tinha-me proposto publicar este post no início do ano, mas como compromissos e prioridades são coisas que as vezes se tornam incompatíveis, teve de ser adiado. Mesmo assim deixo aqui algumas fotos do madeiro do Natal deste ano, para adoçar a curiosidade de alguns dos visitantes da Arca, alguns vindos de bem longe, que por aqui passam em demanda de imagens da nossa terra.
Este ano coube ao neto do ti Paiva, o Cristiano, único habilitado a ir às sortes em 2010, a árdua tarefa de o arrancar e trazer até ao adro. Para que conste, e porque a Brigada do Ambiente parece andar alerta, este excelente exemplar de azinheiro estava seco e foi arrancado com a devida licença.
Neste meu regresso quero saudar todos os que por cá foram passando durante esta minha prolongada ausência, especialmente aos que deixaram o seu comentário.
Neste sentido, sem esquecer os restantes, quero deixar uma palavra à Sra Joaquina Celestino, eu que de início pesava tratar-se uma anónima, não propriamente para lhe agradecer a gentileza dos seus comentários, mas para a felicitar pelo seu contributo para o Jornal Raiano (ou estarei enganado?).

Um abraço a todos e fazendo minhas as palavras da MPS: "já se passaram todas as datas adequadas mas, mesmo assim, não deixo de desejar a todos um Feliz Ano 2010".