domingo, novembro 29

quinta-feira, novembro 12

O Outono



O Outono…

As folhas com os matizes
Da paleta dos pintores
São tintas, são vernizes
É a morte toda às cores

São na relva o esplendor
São uma beleza reflectida
São um rufar de tambor
São uma alegria incontida

As cores dão vida à vida
Deste campo ao abandono
Cada folha morta caída
Dá mais vida ao Outono

Toulões, Outubro de 2013

quinta-feira, novembro 5

Tradição

Tenho em mim que aquilo a que chamamos tradição, elemento aglutinador de vontades e empatias entre defensores activos dos nossos usos e costumes, das nossas memórias e outros valores identitários da nossa cultura, que vão sendo deixados em testamento à geração seguinte, já não é o que era.
Com o passar do tempo, tudo muda.
Até a tradição, elemento de ajuda à projecção do futuro, por estes dias invocada em vão pelos pretendentes ao “trono” parlamentar, incluindo os que consideram a preservação das tradições um acto retrógrado, já serve de argumento político para disputas partidárias. A provar que a tradição se define pela espontaneidade genuína do povo, os seus eleitos no Parlamento organizaram, para animar as hostes, já para dia 10, um magusto de São Martinho a ter lugar na casa da democracia. Não faltará certamente o jogo do pau e a não menos tradicional castanhada: não há nada como servir uma moção de rejeição ao governo, recheada de umas punhadas do bom fruto da Terra Fria e generosamente regada com água-pé, cuvée reserva especial, estagiada em fundelho de pipa de quatro almudes (mordomias).
E para resto de festa, como também pede a tradição, lá estarão os cantares ao desafio e o bailarico saloio, com despique entre bailarinos do governo e da oposição, ambos com o vezo do passa-culpas, a ver quem se livra do ridículo de ficar a dançar com a vassoura.

Bom, mas deixemos os tradicionalismos politiqueiros.
Por estes dias a tradição foi outra: o Halloween, ou Dia das Bruxas, que na noite de Sábado passado, aproveitando a minha ausência, se fez cumprir com artes de pasteleiro francês, enfeitando-me a porta com farinha para brioche.
De origem celta, pelo que consta, adoptada pelos países anglófonos e fortemente arreigado lá pelos States, chegou a Portugal há alguns anos, importada ao abrigo do acordo comercial para a chinesice com a promessa de fortalecimento da economia resultante do depauperado tecido produtivo português. Paradoxalmente escolheu dia 31 de Outubro, Dia Mundial da Poupança, para assentar arraiais com o sentido primeiro de rapinar a carteira aos aderentes mais modernistas, foliões de um carnaval antecipado, e aos pais da garotada que agora nas escolas é instada a aderir a esta pretensa tradição, colocando nela mais empenho que no acto subversivo e pouco patriótico de aprender a trautear o Hino Nacional. A miudagem, enfeitada a preceito com adereços horripilantes, calcorreia de porta em porta num peditório com finalidade plausível: “Doçura ou travessura”?
Em Toulões, o peculiar peditório cerimonial do Dia de Todos os Santos, “Pedir a Bica”, semelhante ao de algumas terras do concelho de Idanha, e limítrofes, em que é designado por "Santóro", ou "Pedir o Santóro", está praticamente resoluto. Não por influência do Halloween, também a tentar sem grande sucesso alastrar ao recôndito beirão, nem pela abolição do feriado de 1 de Novembro, mas pela acentuada desertificação do interior que acabou com a canalha (gaiatada).
O “Pedir a Bica” levava os afilhados (quando ainda os havia) a receber a bênção dos padrinhos. Entrava-se, dava-se solenemente a salvação e recebia-se a benzedura ministrada pela madrinha. Largava-se um bem-haja murmurado e recolhia-se o ofertório: um sarrão sortido com fruta da época (marguédas (romãs), marmelos, dióspiros), umas passas de figo cuidadosamente capadas e enfarinhadas, tudo a acompanhar a gulosa bica de azeite, feita em observância com o tradicional evento. E sortudos eram os que, a acrescentar ao rol, se viam prendados com duas ou três coroas, invariavelmente destinadas a investir no mágico despoletar do berlinde no gargalo do pirolito.
Aos mais velhos, pouco dados a modernices, o globalista Dia das Bruxas nada diz. No entanto, guardam na memória a imagem de um elemento que caracteriza este novo costume invasor: a botelha (abóbora) rectro-iluminada, que dantes aparecia à noite nas encruzilhadas, com origem sabe-se lá de onde, para afugentar a má-hora. Por certo, bem útil seria no próximo dia 10 para cumprir a ambivalente função de servir de assador de castanhas e proteger o povo dos maus presságios.