quinta-feira, dezembro 14

33-2006: BOAS FESTAS



O dia 8 de Dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Portugal, é, por tradição na zona raiana, o dia em que os jovens, que esse ano vão às sortes, arrancam o MADEIRO do NATAL.
Em Toulões a azinheira mais grossa que houver no montado, graciosamente cedida pelo proprietário, é arrancada pelo pé .
O madeiro é depois enfeitado à entrada da aldeia, transportado pelas ruas para ser mostrado à população, e descarregado no adro da igreja, onde será "apichado" na noite de consoada para aquecer a alma a quem dele se acercar e onde ficará a arder até ao Ano Novo.
Com a proibição do arranque de azinheiras por motivos ambientais (apenas é permitido o seu abate indiscriminado para abrir clareiras no montado a fim de fomentar a construção de aldeamentos de luxo como forma de fixar as populações ao meio rural) este ano o MADEIRO do NATAL foi pobre.
Em compensação, os jovens de Toulões construíram uma enorme árvore de Natal (conforme mostra o postal) amiga do ambiente e da qual foi feita uma réplica em menor escala que pode ser visitada no Terreiro do Paço em Lisboa.
Estarei de volta depois do Ano Novo
Até lá, um abraço a todos e votos de BOAS FESTAS.

quinta-feira, dezembro 7

32-2006:Tchupistas


Se há notícias sérias, notícias pertinentes, daquelas com fundamento razoável e com as quais rejubilamos, como é o caso da que foi objecto do post anterior sobre o Carriçal, outras há para as quais não se encontra uma explicação lógica que nos permita pensar se valeu a pena serem divulgadas, mesmo que uma chusma de idóneos jornalistas se tenha perfilado para recolher, em primeira mão, a última exclusividade, que fica fora de moda logo que cai o pano do espectáculo mediático.
Em Novembro de 1996, (já lá vão dez anos e parece que foi ontem) uma insólita notícia pôs esta anónima aldeia de gente, tão humilde quão desprotegida, na capa de quase todos os jornais e até teve honras de abertura num dos telejornais da noite.
Nascida sabe-se lá por que artes do diacho, chegou escorreita e sem pecado aos jornais regionais Gazeta do Interior e Povo da Beira, passou pelo JN e, por obra e graça da maleita do "voyeurisme", chegou às televisões já de tal forma empolada que os ecos da sua invulgar existência se repercutiram até aos espanhóis El Mundo e Cambio16, chegando também, pasme-se, até aqui.
Então foi mais ou menos assim:
O Monte Fidalgo é um antigo coito, quase roubado à herdade da Zebreira, encantinhado entre a ribeira da Toulica junto à ermida de São Domingos, os Malhadis e o Vale de Cardas, onde a flor de tabaco Virgínia ainda vai dando algum ar garrido à faina agrícola que, segundo dizem, para rodar a terra respeitando a alternância de culturas (ou talvez pelas agressivas campanhas anti-tabágicas), está a dar as últimas fumaças, preparando-se já a sua substituição pela doce amargura da cana sacarina, com vista à produção de bio-combustível à base de álcool.
O povo, que por aqui vai sobrevivendo das magras oportunidades que esporadicamente vão surgindo, queixando-se de que isto vai de mal a pior, já diz: "É de vício em vício! Larga-se o tabaco e encarrilha-se na copaneira!".
Este terreno de cultura diversificada em que abunda o azinho e o sobro que, apesar da folha pintalgada que denuncia a doença do sobreiro assim como sintomas da seca que nos tem assolado, continua a oferecer de nove em nove anos, quase de mão beijada, umas valentes arrobas de cortiça que mal vão dando para as quebras.
Um enorme olival, em tempos bem tratado, produzia um azeite de primeiríssima qualidade. Hoje, à semelhança do que acontece nos grandes olivais da região, a azeitona fica na oliveira para matar o bicho à passarada.
Visto que a jeira nem chega prá peneira, deixou de ser rentável a sua colheita.
Os olivais fazem agora o deleite dos caçadores de tordos que aqui chegam de todo o país durante a época venatória e vão dando alguma animação a esta zona. Alguns, vindo mais pelo convívio, nem chegam a enxergar os tordos, mas que vão de cá atordoados com as nossas delícias gastronómicas, lá isso vão.
E é aqui que começa a história!
Naquela altura, as pastagens por entre este arvoredo enchiam a barriga a um enorme rebanho que, até então, dava origem a um divinal queijo amarelo da Beira Baixa.
Esse bem cuidado rebanho, sem explicação plausível, começou subitamente a ficar desfalcado.
Um dia faltavam duas ovelhas, passados oito dias faltavam outras duas, na semana seguinte faltavam mais três e assim por diante durante algum tempo. Vinte e tal ovelhas levaram sumiço, tendo sido encontradas mortas apenas nove, todas elas com um profundo buraco na garganta, sem vestígios de mais nada.
Na procura de uma razão que explicasse este facto, chegou-se a uma hipotética conclusão alvitrada pelo ti Zé Pequeno e corroborada por algumas autoridades locais na área agropecuária: "um lobo velho, só com um dente (o outro partira-o por qualquer motivo), atacava os pachorrentos ovinos".
Dado o alerta montou-se uma vigília, mas sem resultados.
Para a televisão, este misterioso fenómeno era, taxativamente, obra de um chupacabras, relacionando esta notícia com as recentemente chegadas de alguns países sul-americanos, dando conta de acontecimentos semelhantes, em que relatos de testemunhas diziam tratar-se de um morcego gigante que atacava as rezes para lhes sugar o sangue, cuja descrição era feita por Jorge Martin da revista UFO, em Outubro de 1996, escrevendo desta maneira:
("Criatura que tem a forma de animal, um par de asas, é muito selvagem, mede cerca de 1,15 m e é horrível", segundo um observador na periferia de Guayaquil, Equador, a 270 Km de Quito. O facto ocorreu em junho de 1996. Esse "Chupacabras" equatoriano tinha semelhanças com o que também apareceu em Porto Rico e México).
Estava oficializado: o chupacabras fizera sangue em Toulões.
A notícia, tal como foi dada a conhecer, passou aos olhos da generalidade portugueses com áureas de fenómeno sobrenatural, e o mistério que encerrava causou alguma perplexidade junto da população. Não era todos os dias que em Portugal se testemunhavam acontecimentos desta natureza.
As imagens dos animais e as entrevistas feitas no local, ao ti Zé Pequeno, o zeloso pastor e ao ti Domingos Gago, o feitor, deram-lhe credibilidade pela forma convicta com que descreveram o sucedido com as ovelhas.
Também numa primeira reacção, os toulonenses, principalmente as pessoas mais velhas que, tal como a generalidade do nosso povo é propenso a crenças e superstições, mal a notícia, pulando as cancelas do bardo, se difundiu no éter, fizeram logo o seu vaticínio, relembrando antigas histórias de bruxas que se contavam nos serões de Inverno sentados ao lume. Via-se, pelos indícios, que a evidência era óbvia: "aquilo é obra da diabólica que por onde passa, dá conta de tudo".
Para os mais sépticos, habituados a lidar diariamente com o gado e com os protagonistas deste enredo, a notícia possuía contornos de veracidade duvidosa e muitos lhe torciam o nariz, de tal forma que durante algumas semanas o fenómeno do chupacabras se tornou anedótico e sem importância, tendo apenas dado origem a mais um episódio, no mínimo, caricato.
A palavra chupacabras, que, entre galhofadas, andava alto e bom som nas bocas do povo, veio desenterrar o fantasma do Tchupa-a-tchiba. A velha alcunha que o ti Martinho ganhara quando era garoto pelo hábito de ordenhar a cabrinha bragada directamente para dentro da boca, mas que os anos deitaram no esquecimento e da qual já ninguém se lembrava.
Nesse tempo o Tchupa-a-tchiba rivalizava no nome com a do Mama-na-burra deixando-os ambos a rabiar que nem uma bicha-tanaza. E quanto mais rabiavam mais lho chamavam.
As nomeadas, oportunistas, apareciam sem serem esperadas, sempre que a ocasião era propícia e geralmente assentavam que nem uma luva, dado o conhecimento que o "padrinho" tinha do "afilhado". (ver aqui uma teoria sobre as alcunhas).
O ti Martinho, já à unha com o peso da idade, agarrado ao cajado de quando ainda era pastor e que agora lhe amparava as cruzes rangentes por via do caruncho, não estava pelos ajustes. Para ele, que ainda não se tinha inteirado das balelas, esta palavra envenenava-lhe o sentido. Confundindo Tchupa-cabra com Tchupa-a-chiba, sentindo-se alvo de chacota, ficava fora de si disparando pragas em todas as direcções .
- Catanos ma tchapem s’eu no esborraçar os miolos a um! - e alçava o cajado com a intenção de arrear no que estivesse mais perto.
Esta história, um mero assunto familiar a ser resolvido entre paredes, que tanta celeuma levantou, permaneceu durante alguns anos num segredo sacramental, até que um dia, zangando-se os compadres, e quando já todos a julgavam definitivamente sepultada, eis que ressuscitou e, trazendo à luz do dia toda a verdade, revelou toda a sabedoria contida no velho adágio.
Nunca constou que a televisão alguma vez tivesse feito mais qualquer referência a este assunto.
É que tirar esta região do anonimato, promovendo aquilo que tem de bom e que vale a pena ser dado a conhecer, não dá audiências, mas propagandear especulações e "aldravadas", valendo-se da boa fé e da ingenuidade desta gente tão vulnerável, transformando assuntos de família em "fait divers" é o que está a dar.
Era de bom tom que, intercalando com big brothers, futebóis e brasileiradas, as televisões que vão sendo, a par da mulher do pão e do homem do peixe que aqui vêm vender, os únicos elementos exteriores que por aqui, quebram a rotina, passassem também a transmitir programas apelativos para auxiliar na batalha contra o analfabetismo e a iliteracia, em prol da nossa cultura e da nossa identidade.