sábado, abril 1

8-2006: A balela


O primeiro de Abril, dia das mentiras, era sempre assinalado, nos trabalhos, de várias formas. Apesar de ser quase sempre na Quaresma, em que o recato prevalecia sobre o divertimento, abria-se sempre uma excepção para algumas brincadeiras, principalmente entre as mulheres. Nesta altura, andavam na sacha, que antecedia a monda das grandes searas. Espetavam-se umas aldravadas e algumas partidas, que por vezes deixavam as pessoas a andar à nora, ainda mais quando tocava a esconder a merenda ou a ferramenta.
Este dia fez-me lembrar uma balela que, aqui há uns anos (quando foi criado o totoloto), apareceu como um bobrino. Levantou-se, fez a sua devastação e desapareceu na canícula do verão.
O António, ainda um galfarrote, andava a estudar na Idanha, obrigado por uma lei que contrariava a sua vontade e a da família. Sabe-se lá com que esforço, os pais, pastores, aguentando aquela situação, viam assim um braço de trabalho desperdiçado.
Algum colega de escola levantara o boato, de que o António tinha ganho o totoloto. A notícia correu a nove por todo o concelho e o rapaz viu-se, de repente, com uma fortuna nas mãos sem saber o que fazer dela.
Nunca a desmentiu. Na sua ingenuidade, a notícia não lhe podia ter dado maior satisfação. É que passou, num instante, a ter imensos amigos, todos a rondar à sua volta, como cachorros à hora da merenda, abanando o rabo à espera por uma raspa de queijo ou por uma tripa de chouriço.
Para dar ainda mais força à da notícia, tratou de forjar um boletim com a chave premiada e então é que foram elas.
Rico e famoso, de um dia para outro, foi dado como noivo de uma rapariga filha de uma família abastada das Termas. Para outros era com uma do Ladoeiro. Soou que tinha vendido uma churras do pai para fazer uma festa com a rapaziada mais chegada. Depois logo viria a compensação. Enfim… uma data de barbaridades.
Está claro que as novas também chegaram aos Toulões. Embora com bastantes reservas, apesar de alguma indagações infrutíferas, nunca foi confirmada a notícia. Toda a gente ficou desconfiada em relação ao desfecho do acontecimento, mas, mesmo assim, houve quem levasse a notícia muito a sério.
A minha vizinha, ti Maria Magra, mãe do António, era uma mulher a quem não se podia contar um segredo. - Digo bem, contar. Não, confiar !
De confiança era ela. Pobre, mas honesta acima de tudo.
O seu problema era que, por via de sucessivas mormeiras mal curadas, apanhou uma sinusite tão forte que em poucos anos lhe entupiu completamente os ouvidos. Para falar com ela e se fazer entender, tinha de se bradar bem alto.
Uma tarde, estava ela a preparar a ceia. Um caldo de feijão grande, com umas folhas de couve galega e umas aparas de massa de alarves, como só ela sabia fazer. Mais de uma vez provei aquela iguaria, aceitando-a, de bom grado, não como paga de algumas pequenas coisas que ela me pedia, mas por saber que ela se consolava de me ver apreciar aquela delícia.
Ao fim da tarde, já a sombra marcava as horas na terceira pedrita entaliscada na parede de xisto do oitão da casa do Tonho Grande, chega a ti Catrina Ferra que também já sabia da coisa.
Depois de umas breves palavras de circuntância, sempre a gritar, começou a tentar convencer a Ti Maria para lhe comprar um terreno ali no chão de Castelo Branco, logo à saída do povo pelo caminho do ribeiro de Cunha. Ao saber da notícia, viu logo ali uma oportunidade para arranjar uns dinheiritos, talvez para dar aos filhos que andam lá por Lisboa.
- Ó Maria, tens ali muito terreno p´ra te estenderes. Fazes lá uma boa casa, p´ra ti e prós teus filhos. Tu que não tens onde fazer horta, fazes lá uma valente. Água há-a lá com fartura. - disse a ti Catrina mostrando-se um pouco incomodada por ter de falar para toda a vizinhança.
- Atão e o dinheiro tenho-o aonde? no cu do conde? - perguntava a Mari Magra.
- Tama damonho! atão o teu filho não ficou rico?
Eu, que estava a ouvir aquela conversa de surdas, lá fui tentar explicar o que se passava.
A ti Catrina, que também, já havia uns anitos, tinha deixado os ouvidos na casa do ti Zé Ferreiro, denotava alguma dificuldade em ouvir com clareza o que lhe diziam.
Teve mesmo alguma dificuldade em perceber que aquilo era apenas uma história inventada.
- Ó ti Catrina. Vossemecê que tem p´ra aí tantas sortes e não dá conta delas, porque é que não lhe empresta uma para fazer uma horteca.
Isso ouviu logo à primeira. Virou costas, encolheu os ombros e foi-se embora desolada, mas não deixou de resmungar:
- O patrão do homem dela tem lá muito terreno. Que a deixe lá por umas couves.
INTÉRPRETE PARA FORASTEIROS
Hoje não tive tempo de traduzir. Alguma dúvida perguntem-me que eu cá estou.

1 comentário:

Anónimo disse...

Até a barraca abana, nunca tomais juizo! Vós! Èpa, porra. Assim nunca posso mudar de opinião. Sabes umas cenas escreves bem. Mas melhor era saber quem és. Não curto, fico com dor de cabeça. Doi bué. Não aguento.