
Era neste pressuposto que todos os anos na noite de 7 e no dia 8 de Dezembro, os habilitados a mancebos viviam uma azáfama de formigueiro para fazer chegar ao adro o maior tronco de azinheiro que houvesse no montado.
Era previamente escolhido e solicitado ao seu proprietário que, também por uma questão honra, orgulho e muitas vezes uma ponta de vaidade, raramente se negava à oferta.
Era uma noite de trabalho. Com os enxadões e o garrafão a serem elementos preponderantes nesta tarefa, até chegar a hora de, com um calabre engalhado nos ramos, por o azinheiro de cambecas, não havia descanso.
Só então era feito um intervalo para retemperar e recuperar do esforço, em redor do enorme lazarete, com umas presas assadas directamente em cima das brazas, ou na ponta de um espeto improvisado no momento.




"Viva o Madeiro do Natal e a junta do t’ João Bombarral"
"Viva a malta do Madeiro e o carro do t’ Zé Monteiro"
"Viva o tocador"
"Viva o garrafão"
"Viva o Madeiro, que ainda está inteiro".
Mas em Toulões esta tradição já não é o que era.
Por mor do despovoamento agravado dia a dia e pela consequente falta de cachopada, desde há uns anos que o Madeiro vem sendo arrancado pelos homens residentes, sempre com a ameaça de a tradição um dia acabar de vez.
Nesta eminência, e alterando radicalmente a tradição, antecipando-se mesmo à intenção do governo em tornar o recenseamento militar extensivo às raparigas, foi a filha da Natércia, que sem quintos, organizou sozinha o arranque do madeiro de há dois ou três anos, por ter sido a única criança nascida em Toulões, a atingir a idade de ir às sortes.
E a ameaça cumpriu-se! Neste Natal não houve Madeiro em Toulões.
Nas vésperas da noite do caramelo, adaptando as tradições antigas aos tempos modernos, graças à facilidade em agora se poder dispor de maquinaria pesada, na urgência lá se arranjou um azinheiro e uma sobreira velha, conseguindo garantir-se o calor necessário para aquecer o Menino na noite da consoada e também, diga-se, para não deixar a aldeia em pouco (é que com isto das rivalidades entre aldeias era importante manter a dignidade).
Apesar deste esforço de última hora, o Madeiro propriamente dito, com todo o simbolismo do ritual do arranque daquele tronco, que ditava a passagem à idade adulta de todos os jovens incumbidos de o colocar no adro, nunca podendo ter um perímetro inferior ao medido pela bitola de duas braçadas de homem, esse, ficou no montado.
Foi pertinente a preocupação manifestada por Sua Excelência o Presidente da República para com a baixa taxa de natalidade por estas bandas, numa recente visita oficial que fez pelo vizinho distrito da Guarda.
Carlos Drummond de Andrade, numa passagem do seu poema "Reverência ao destino…", dizia:
DIFÍCIL é vivenciar esta situação e saber o que fazer. Ou ter coragem para fazer ….
A breve trecho, iremos ter o adro de Toulões vazio de Madeiro e até, sabe-se lá, o presépio sem Menino Jesus.
Nota:
Se em Toulões e outras aldeias raianas a tendência é para que a tradição se extinga, outras terras há em que ela parece estar cada vez mais enraizada.

Veja-se o caso de Penamacor onde todos os anos o madeiro é sempre maior que o do ano anterior(a foto é do Natal de 2006, 2 dias depois de ter sido ateado), chegando a roçar o exagero e a apregoar-se ser este o maior Madeiro do país.(ver aqui o madeiro de 2007).
Tradição à parte, o que parece ganhar-se em grandiosidade e ostentação, parece perde-se em convicção pelos valores do Natal.
Já em Proença-a-Velha, uma vizinha aldeia do concelho de Idanha-a-Nova, são mais comedidos. O Madeiro é mais pequeno, mas toda a população colabora e se empenha para manter bem viva a sua tradição, tornando este evento uma atracção, tanto para os da terra como para forasteiros.
A prová-lo está este livro da autoria de João Mugeiro e João Adolfo Geraldes, editado pela Magno Edições e pela Proençal (ver link ao lado - Proença-a-velha), onde é feita uma excelente descrição dos rituais do Madeiro ao longo dos tempos e em que cerca de metade desse livro está ilustrado com fotografias da autoria de Marcin Górski, tiradas à guisa de reportagem ao Madeiro de 2005.