segunda-feira, julho 24

21:2006 - Jogos menos tradicionais

Esta foto, tirada em 1992 em Trás os Montes, mostra um jogador de fito e uma assistência interessada.
Hoje vou cumprir a promessa feita há umas semanas a um leitor que mostrou interesse neste tema e vou aqui abordar um pouco os jogos tradicionais. Não daqueles jogos que todos conhecem. Os que são comuns, se não a todo o país pelo menos regionalmente, mas dos que, suponho eu, eram exclusivos, ou quase, aos habitantes de Toulões .
Digo, suponho eu, porque o mesmo jogo poderá ter um nome diferente noutra terra ou região e que eu desconheço.
É exemplo o Jogo da Bilharda que em Toulões se designa por Jogo do Moucho ou o Jogo do Espeta a que nós chamamos Jogo da Sovela ou até o popular Jogo do Galo que se joga ainda por todas as escolas. Por aqui, num tempo em papel e caneta escasseavam, jogava-se com marcações no chão, com pedrinhas que aqui dão pelo nome de chinas (tchinas) e que, por essa razão, se chamava mesmo o Jogo das Chinas.
À semelhança do que sucedia por todas as aldeias, os jogos tradicionais eram uma forma de entretenimento que servia para testar capacidades, desenvolver aptidões físicas e intelectuais e, quando decorriam de forma harmoniosa e civilizada, serviam, sobretudo, para fomentar amizades, tanto entre elementos de uma mesma equipa como entre adversários.
É claro que qualquer jogo pressupõe a perda e o ganho. Por esta razão, como naturalmente se entende, existe sempre o risco do desentendimento, mas, de um modo geral, eram bastas as vezes que o jogo, qualquer que ele fosse, e salvo algumas excepções, acabava sempre à volta de uma rodada de copos, naturalmente, paga pelos que perdedores. De qualquer forma sempre vale mais beber, mesmo perdendo e pagando, do que "jogar de arreda queixo".
Estes passatempos ou divertimentos tinham lugar nos tempos livres do árduo, e por vezes sofrido, trabalho do campo, sendo que, mesmo assim, alguns deles aconteciam em qualquer momento de pausa.
Era frequente, principalmente no fim das ceifas, quando se entulhavam os cereais, preparando-os para levar ao celeiro, ou nas sementeiras, fazerem-se desafios para ver quem conseguia por às costas sacas de trigo, cheias a rebentar, quando ainda o suor do esforço do trabalho ensopava a camisa.
Havia homens que logo de novos traziam a força bem puxada. Ainda se contam casos de alguns que chegaram a pôr ao ombro, sozinhos, sacas com cem quilos, arrancadas do chão com os fígados a rebentar sob a compressão dos abdominais.
Amiúde se viam também, à hora de uma bola retemperadora, principalmente jovens, desafiarem-se para o salto corrido (salto em comprimento), ou para o salto a pés juntos que são vulgares em qualquer parte. Enquanto uns fumavam uma cigarrada, ou matavam a sede, outros não queriam saber de descanso.
O salto a pés juntos tinha uma particularidade invulgar que era a de alguns saltadores utilizarem uma pedra em cada mão para saltar. Essas pedras, que alguns, para dar sorte acariciavam, no momento de dar o impulso para a frente, balançando os braços à retaguarda, eram atiradas para trás, fazendo as vezes de propulsor, permitindo chegar um bocadinho mais á frente.
Para fazer um bom salto as pedras deviam ser largadas no tempo certo pelo que o saltador tinha de ser possuidor de uma boa coordenação de movimentos.
Jogava-se ao Puxa o Pau em dois adversários se sentavam no chão, pés contra pés, pernas abertas e depois pegando ambos num pau com as mãos intercaladas, puxava cada um para si, tentando fazer com que o adversário levantasse as nalgas do chão.
E depois havia o Jogo da Vareta que já há muito desapareceu, afastado por uma nova tomada de consciência que as pessoas, entretanto, foram adquirindo gradualmente.
Este jogo, traçado para corredores natos, baseado na antiga corrida de perseguição, modelo que ainda hoje existe no ciclismo de pista, tomava por vezes foros de crueldade. Os dois corredores em despique faziam uma corrida num percurso na ordem dos 100, 150 metros. O da frente arrancava sempre com uma vantagem que variava de acordo com o combinado, mas que em média, rondava sempre os 5 ou 6 passos.
O corredor de trás levava na mão uma verdasca ou uma correia com o objectivo de recuperar a desvantagem e bater no da frente, enquanto não chegavam à meta. O da frente tinha de correr o mais depressa possível para não ser espancado. Chegados ao fim, a corrida era feita ao contrário invertendo os papéis. O perseguido passava a perseguidor.
Quando os corredores se equivaliam a coisa passava sem grande alarido. Agora quando havia grandes diferenças na velocidade de pernas, aquilo era mastocar sem dó nem piedade.
Eram as regras do jogo e só as aceitava quem queria. A aceitação do repto funcionava muito na base do "queres apostar!", á laia de provocação, propondo-se um avanço aceitável que podia variar da ida para a vinda.
Mas com alguma frequência este jogo acabava no Jogo da "Birúla" uma espécie de judo ou luta livre. Cada jogador dava uma moeda à "testemunha" e quem conseguisse derrubar o outro ganhava as duas moedas. Às vezes lá tinha de ir o fato domingueiro prá barrela e menos mal quando não era no inverno em que as ruas era só lama.
Em todos estes jogos havia sempre implícita uma certa intenção do medir de forças e o marcar de uma posição, por parte de alguns dos intervenientes, na tentativa de usufruir de uma certa hegemonia e até construir um currículo que poderia valer a obtenção de um trabalho.
Os mais valentes faziam sempre parte da primeira escolha permitindo-se mesmo mudar de patrão com alguma facilidade. Os mais fracos, que não tivessem a sorte de conseguir, por exemplo, entrar num quinto, estavam sujeitos passar um verão inteiro sem trabalhar.
Mas, em todos eles, alguns dos quais hoje se enquadram no âmbito desportivo, se iam fazendo ao longo do tempo, sempre que era oportuno, servindo de treino para as provas que se realizavam nas festas, duas vezes por ano, em que para além dos prémios que havia em disputa, havia o prestígio de que beneficiavam os vencedores.
Mas o ponto alto das tardes "desportivas" integradas nos festejos do Sto. António e da Sra. das Cabeças, eram as Cavalhadas. O nome não é exclusivo de cá mas a forma como se desenrolavam sim, embora haja algumas aldeias das redondezas também o tivessem adoptado.
Enquanto nalguns lados as cavalhadas são desfiles ou corridas a cavalo e outros em que existe uma certa semelhança com as de Toulões consistindo em encatrafiar uma bola num cesto ou enfiar uma lança numa argola ou roseta, não é a mesma coisa.
Aqui as Cavalhadas eram consideradas espectáculo maior. Atraiam imensa gente para ver aqueles cavaleiros armados em Dons. Quixote, tentarem lutar contra uns panêlos de barro pendurados numa corda, mais parecendo uma cantareira, com uma vara, geralmente das vacas, ou outra preparada propositadamente para o efeito.
Com o cavalo a galope em direcção ao alvo, com o objectivo de estchabaçar com uma pancada, um dos recipientes que eventualmente continha um prémio.
O prémios eram os mais diversificados: Rebuçados, moedas, tabaco em onças Duque ou maços de cigarros dos mais baratos da época (Matarratos, Provisórios, Definitivos, Três Vintes), água, cinza, terra, farinha, etc.
Num destes três últimos estava o mais cobiçado. No meio daquela mixórdia de terra e cacos, que não raras vezes atingia o cavaleiro, caía, ás vezes, como quando, no Outono, as folhas caem das árvores, uma folha de leituga com o valor facial de 20 "paus".
O entusiasmo pelas cavalhadas advinha do facto de, nesta altura, devido à actividade do contrabando (primeiro minério durante a guerra civil espanhola e depois o café até ao surto migratório do final dos anos 50 princípios de 60, para Lisboa ou para França, na busca de uma vida melhor), quase todas as famílias possuírem pelo menos um cavalo.
Na década de 70 já quase não havia cavalos em Toulões. À falta do elemento principal, as cavalhadas continuaram a fazer-se com burros até desaparecerem por completo.
As tardes desportivas das festas passaram então a fazer-se com os jogos de futebol entre solteiros e casados ou entre os da Terra e dos de Lisboa, corridas de bicicleta, etc. aparecendo mais tarde a moda do tiro aos pratos.
Hoje já só se faz a festa de vez em quando, mas quando se faz… FAZ-SE!
INTÉRPRETE PARA FORASTEIROS
birúla;
queda desamparada
bola; pausa para descanso
encatrafiar; enfiar, encaixar
estchabaçar; partir em cacos
jogar de arreda queixo; perder, pagar e não pader beber
leituga; alface
mastocar; bater, sovar
nalgas; nádegas, rado
panêlos; púcaros de barro
quinto; modalidade de empreitada no trabalho da ceifa

3 comentários:

segurademim disse...

hoje fui dar uma volta no parque da cidade, bem verde, com lagos e sombras de árvores frondosas e brisas refrescantes... e eis senão quando, ali estava um enorme grupo de crianças a divertirem-se com o jogo:

que linda falua
que lá vem, lá vem
é uma falua que vem de Belém
vou pedir ao senhor barqueiro
que me deixe passar
tenho filhos pequeninos
não me posso demorar

passará, passará, mas algum ficará
se não fôr a mãe á frente, é o filho a trás


e lá estavam eles numa risota pegada...

:)

Anónimo disse...

Segurademim.

Brincadeiras de crianças também fazem parte do inventário de costumes desta zona.
Os jogos e cantigas de roda, animavam antigamente, aos domingos, as ruas das aldeias.
Tal como nas grandes cidades, hoje as poucas crianças que há, também ficam, aos domingos, a jogar consola e a ouvir MP3.

Al Cardoso disse...

Tambem eu me lembro de varios jogos da minha regiao.

Os mais populares eram "as malhas"
"o chona" "o prego" "a pela".

Bem haja por fazer-me lembra-los.