A romaria da Senhora do Almurtão, fervorosamente celebrada pelas gentes do concelho de Idanha-A-Nova, era certamente, e continua a ser, a maior manifestação religiosa da Raia Perdida.
À capela, construída no sítio da Água Murta onde, segundo a lenda, "- Milagre! Milagre! - apareceu aos pastores uma linda e resplandecente imagem da Virgem em cima de um murtão (moita de murtas)" chegavam, nos dias de romaria, milhares de romeiros para, numa devoção matriarcal, assistir às celebrações eucarísticas em louvor da virgem padroeira do concelho e Lhe "dar as alvíssaras" com cantares ao toque do adufe, instrumento musical que é o símbolo máximo da tradição idanhense.
Em tempos passados, terminadas as celebrações religiosas, famílias inteiras partilhavam um farnel composto das mais variadas iguarias, preparadas atempadamente (galinha dourada, almôndegas e pastéis de bacalhau, ovos verdes e outras), bem regadas com tintol da região. De sombra em sombra dava-se a salvação aos amigos, provava-se-lhe o repasto e fazia-se a festa.
Era o extravasar de toda a alegria reprimida durante a vivência Quaresmal, terminada apenas 15 dias antes.
Promessas saldadas, fazia-se viagem de regresso a casa, cada qual à sua terra, conscientes do dever cumprido.
À capela, construída no sítio da Água Murta onde, segundo a lenda, "- Milagre! Milagre! - apareceu aos pastores uma linda e resplandecente imagem da Virgem em cima de um murtão (moita de murtas)" chegavam, nos dias de romaria, milhares de romeiros para, numa devoção matriarcal, assistir às celebrações eucarísticas em louvor da virgem padroeira do concelho e Lhe "dar as alvíssaras" com cantares ao toque do adufe, instrumento musical que é o símbolo máximo da tradição idanhense.
Em tempos passados, terminadas as celebrações religiosas, famílias inteiras partilhavam um farnel composto das mais variadas iguarias, preparadas atempadamente (galinha dourada, almôndegas e pastéis de bacalhau, ovos verdes e outras), bem regadas com tintol da região. De sombra em sombra dava-se a salvação aos amigos, provava-se-lhe o repasto e fazia-se a festa.
Era o extravasar de toda a alegria reprimida durante a vivência Quaresmal, terminada apenas 15 dias antes.
Promessas saldadas, fazia-se viagem de regresso a casa, cada qual à sua terra, conscientes do dever cumprido.
As alvíssaras com o acompanhamento dos acordeonistas Tónho Coto, ti Brás (do Salvador) e ti General. No bombo a Serraninha marca o compasso.
Mas os tempos mudaram.
Se o progresso encurtou a viagem, reduziu também a devoção.
Com melhores acessos e o automóvel, rios de gente desaguam na romaria da Senhora do Almortão, formando um mar fervilhante pelo recinto da festa. Mas a fé, de um modo geral, já não é a mesma.
Chega-se, dá-se uma volta pela feira, assiste-se à missa porque fica bem e, terminada a procissão, numa pressa, ruma-se a casa "a ver do almoço" ou mata-se a "malvada larica" numa das muitas barracas de comes e bebes, quais restaurantes improvisados.
Só os mais tradicionalistas, certamente mais devotos, ainda se mantêm fiéis ao piquenique à moda antiga, em cima da manta de arêlos que outrora, para além de servir de toalha, servia também para enfeitar a albarda do meio de transporte.
Hoje tudo é diferente.
Falta a sobriedade e o respeito.
Por estes valores que se impõem em qualquer local de culto, e aqui a Confraria, como organizadora do evento, tem a sua quota de responsabilidade, talvez não se devesse permitir o ambiente abarracado que hoje se apoderou da envolvência da festa, contaminando mesmo a capela, tão bem pintada com as palavras de Eugene Galateanu (Poeta Romeno).
Entende-se que as receitas originadas pelo aluguer de espaço aos feirantes deixam tolerar uma certa anarquia no "armar das tendas" dentro do recinto e fora dele. É só ver a parafernália de artigos espalhados pelas zonas de circulação a atrapalhar quem passa, ou mesmo a barulheira infernal dos muitos sistemas de amplificação sonora apelando ao consumismo, que às vezes têm de ser mandados calar pela autoridade, por interferirem com a solenidade da missa campal.
O que não se entende, é que se pense menos em quem visita o local, deixando-se transmitir ao visitante a sensação de negligência e de desleixo.
Mas como critérios são de quem os deixa, este é apenas um desabafo.
Mas como critérios são de quem os deixa, este é apenas um desabafo.
Estou em crer que a Senhora do Almortão, nem se importaria que o custo do valioso manto que lhe é oferecido ano a ano, ricamente trabalhado, uma vez por outra mais modesto, seja aplicado de forma a dignificar um pouco melhor este local, uma referência para tantos Raianos da Beira.
22 comentários:
Olá.
Muito obrigado pela descrição de uma das mais famosas romarias da nossa região, embora poucas semelhanças hoje terá.
Sou salvadorense e já passei os setenta, mas nunca fui à Sr.ª do Almurtão, apesar dela, juntamente com a Sr.ª da Azenha e a Sr.ª da Póvoa, povoarem o meu imaginário enquanto criança e não só.
Gostei muito a fotografia antiga. Que pena ter esse carimbo a ensombrar a sua beleza.
Perdoar-me-á a franqueza, mas acho mesmo que, se não era para ser admirada e usufruida, com todo o esplendor que o tempo confere aos trajos e ao próprio enquadramento, então, dizia eu, seria melhor não publicar relíquias assim.
Caro Chanesco
Perdoe-me, mas fixar-me-ei, quase só, na primeira fotografia.
São aquelas mãos de trabalho e aqueles quadris alquebrados pelo carrego de muitos fardos que dão sentido às romarias: sabem que é das bênçãos do céu que nascem os frutos aos homens. Se, nos nossos tempos, os trabalhos agrícolas se quedam, abandonados, as romarias perdem-se com eles. Dói o coração.
Mas se a última fotografia é deste ano, então a Senhora ia muito linda!
Um abraço
Olá,
Um botão está a surgir...
vai formar-se uma flor,
será perfeito ao abrir,
será frágil como o amor ?
Votos de bom fim de semana...
Beijinhos,
Fernandinha
Meu Caro Albertino
Quem tem que agradecer sou eu: pela visita e pela franquesa do seu comentário.
Quanto ao "carimbo" sobre a foto, compreendo o seu desapontamento porque sei que na sua Barquinha de Ouro, navegam instantâneos da vida e da história do Salvador, que são autênticos tesouros.
Quero dizer-lhe que às vezes bem custa fazê-lo desta forma tão ostensiva, mas como o meu amigo saberá, a net está cheia de pegas: cuidado, tudo o que brilha... é olho que vé mão que pilha.
Assim, para evitar que outros roubem para comecializar o que desinteressadamente lançamos na blogosfera, carimba-se, tentando não desvirtuar o que a foto tem para nos dizer.
Saudações Raianas
Minha caríssima MPS
Em primeiro lugar quero penitenciar-me por náo ter identificado temporalmente o post.
A romaria da Sra do Almortão tem sempre lugar na 3ª segunda-feira após a Páscoa (este ano é na próxima 2ª, dia 7 de Abril).
As fotos da Santa reportam à festa de 2006. O manto, sem certeza, é em seda bordada com "ponto de Castelo Branco", um bordado certificado (ou em vias de o ser) que é património da cidade.
Quanto à sua análise/comentário sobre a primeira foto, só tenho a agradecer-lhe o enriquecimento que ajuntou ao post.
Abraço
Caro conterrâneo...
Como eu o entendo! Eu que vivi a romaria em criança com o entusiasmo de quem faz a viagem do ano na certeza de papar os bolinhos de azeite e de trazer para casa o cansaço que o burrico minimizava, mais os "relógios" p'rá modesta gula. Não falando da alegria que o reencontro breve de amigos-cachopos/as doutras aldeias proporcionava, mais a ingenuidade do bailarico !!
Pois é...o manto da santa terá de fazer algum milagre pelos valores perdidos!
Foi um prazer descobrir este blog.
É só escrever-me para qualquer coisinha...
Continue!Lê-lo-ei com prazer e dar-lhe-ei a divulgação possível entre o meu pessoal.
São todas estas coisas que mexem as mentes de quem já tem alguna anos e que por força da vida teve que abandonar a sua região.Parabéns amigo Chanesco.
Exactamente o que se passa aqui, um pouco por toda a Braganzónia. É raríssimo já ver alguém 'estender a merenda' numa romaria. Os 'tendeiros' tomam conta de todo o espaço, e em vez de festa, mais parece que estamos numa feira! Os 'bailaricos' então, transformaram-se em verdadeiras discotecas ao ar livre! E o mais triste é que o Povo até gosta! É triste, mas é assim...
Um Xi Grande
Amigo Chanesco
Mais uma descrição pormenorizada duma tradição antiga (bem me lembro de ouvir cantorias a falar da Sra. do Almortão). Eu sou natural do Casal, freguesia de Ribafeita, ali no concelho de Viseu. Não andamos assim tão distanciados como isso.
Que recordações impregnadas duma imensa saudade (das festas, das gentes, das merendas à sombra das árvores) que me assaltaram ao ler esta sua crónica.
Concordo consigo quanto à questão das fotos. Tenho andado indeciso em lhes colocar o carimbo ou não. Anda por aí muito abutre, a pairar na blogosfera, sempre à espreita duma oportunidade para plagiar. Ainda se usassem da dignidade de fazerem refª aos autores!
Receba um grande abraço e festas felizes e prazenteiras como as de antigamente é que é preciso! Nem me fale do barulho infernal dos actuais sistemas sonoros. Até nos Bares e discotecas. Como é que estas novas gerações conseguem lidar com tanto barulho?
António
Mas que belo manto, este!
Hoje, passo e apenas deixo um abraço.
Bom fds.
Jorge P.G.
Agora vejo que não mora cá um comentáreio que há dias deixei. Pelos vistos, não entrou, cuidando eu que sim.
Adorei a descrição e a Senhora do Almortão levou-me logo a uma cantiga do Zeca que conhecerá certamente.
Era muito bom que estas cerimónias se não perdessem, ainda que a mim, avesso a religiões, nada me digam sob esse ponto de vista, mas muito relativamente aos usos e costumes dos povos.
Um abraço e um grande fds.
Jorge P.G.
A fama da romaria e da Senhora do Almortão é tanta que chegou intensa ao Minho onde é sobejamente conhecida, até ao nível das antigas e tradicionais cantigas. Estas fotos são documentos vivos das nossas tradições e vivências, uma riqueza etnográfica, que muito aprecio. Boa semana.
Caro Chanesco
Voltei para lhe agradecer o esclarecimento que fez o favor de escrever.
Saio daqui quase tão rica como o manto de Nossa Senhora. Como ia ela este ano?
Um abraço
Querido Chanesco,
Não sei se sabe, estas tradições só as conheço de "ouvido".
Sou uma provinciana que vive longe, gosto de saber destas coisas, mas devo confessar, só de saber, porque de arraiais, foguetes, coretos e procissões, só por delicadeza para acompanhar quem gosta. Não se zanga comigo, por isso é que vindo aqui é como se lá tivesse estado.
Um grande abraço
OLá Chanesco.
Como deve calcular, a minha fotografia preferida é a primeira.
Quanto à festa e às tradições, como tudo neste país, estam-se a perder. Infelizmente.
Nesse aspecto os espanhóis são diferentes. Em Salamanca, no Lunes de aguas, de que já falei num post, mantêm a tradição de comer pelos campos o célebre Hornazo.
Aqui para se ser moderno tem de se esquecer as tradições. Feitios.
Um abraço.
Ainda bem que me cruzo, na facilidade das mesas redondas, de amigos certos, com o meu Caro Chanesco! Como sempre, bebo-te as palavras e tradições contadas. Malfadado progresso, tão estupidificante e que nos nivela por baixo!
"...vira as costas a Castela
não queiras ser castelhana"
Tive a felicidade de passar no sítio da capela da Srª do Almortão, completamente ermo na altura. Uma capela pequenina, elegante, arcos de sol, pedras faladoras de antes, espreitei sem ver. Ah...mas o sítio é muito belo, as oliveiras, a extensão do campo. Obrigada pelas imagens.
Abraços
Concordo plenamente com o meu amigo; "a Senhora do Almortao, decerto nao se importaria"!!!
Um abraco de amizade dalgodrense.
Venho sempre na esperança de encontrar um novo texto, que aqui é sinónimo de qualidade e boa escrita. Assim desejo boa semana.
Amigo chanesco,
como é fascinante observar toda esta confluência de fluxos neste espaço-ritual. é claro que muito se transformou, pois as sociedades não são estáticas, ao contrário do que muita gente pensa, ninguém consegue congelar no tempo e no espaço a vida humana, apenas os seus vestigios, nada mais, o resto vive-se. veja como para mim foi extraordinário, este ano, encontrar no recinto festivo alguns destes vendedores ditos "transnacionais" (equatorianos, indianos, etc) com as suas mercadorias globalizadas. a uns escassos metros, as tradicionais alfaias agricolas, onde por primeira vez, observei numa caixa chocalhos completos usados que se encontravam conjuntamente com os novos à venda. são estes diálogos entre objectos-mercadorias, seus consumos, que nos revelam muito deste nosso fascinante mundo actual.
um "saludo" de um romeiro atento.
Querido Chanesco,
Depois desta pausa forçada por "trabalhos" lá em casa, aqui estou para lhe desejar um bom 25 de Abril lhe deixar um abraço, ainda um bocadinho cansadita
Qual Carnaval no Rio de Janeiro!!!
Em Toulões é que está o Carnaval verdadeiro!
Na verdade, com a alegria, espontaneidade e naturalidade da gente dos Toulões às quais se junta a sensibilidade do fotógrafo, resulta num trabalho fatástico e digno de ser visto! Parabéns!
Convido-vos a uma visita ao meu blog: http://perspectivasdacor.blogspot.com/
beijo
Fátima
Ao pesquisar notiçias de Idanha a Nova, suas freguesias e Sra. do Almurtão encontrei este forum áqual pesso licença para entrar.
Sou Tirsense,tenho Amigos do peito
Idanhenses, tanto como minha espôsa adorámos todo o conçelho.
Já fáz uns 15 anos que, uma a duas vezes por ano visito a Idanha e, anciôso por chegar ao 19 para nova visita e assistir ás cerimónias da Sra. do Almurtão.
A todos os Idanhenses, que sempre me receveram bem, um bem hajam.
Manuel Soares-Santo Tirso
(Autocaravanista)
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