domingo, maio 18

12-2008: Beco sem saída


Já nada é como dantes
Foram-se os reis e os infantes
Não há meninas, nem soldados
Não há bestas, nem arados

Casas sobrevivem desertas
E por portas entreabertas
Passa o tempo ao abandono
Numas inquilino, noutras dono
Salvam-se os velhos e as memórias
Os velhos mais as velhas glórias
Há histórias de dias sem nada
Histórias de noites sem madrugada

Histórias de espigas por ceifar
Histórias de contas por contar
Gente que não conta, canta à vida
Canta ao futuro... num beco sem saída

Toulões, Maio 2008

11 comentários:

MPS disse...

Meu caro Chanesco

Até me arrepiei! Metade de Portugal pode subscrever as suas palavras!

Eu sou uma daquelas em cuja casa "o tempo ao abandono é inquilino". E sê-lo-á por muito tempo, se o tempo se me oferecer e porque o tempo me obriga. O tempo levou as bestas, os arados e os meus reis. Só me não leva as raízes porque são de urze agarrada ao chão.

Um forte abraço

Jorge P. Guedes disse...

Belo momento de verdades em forma de poema!
Um interior que fenece com os seus velhos é a triste realidade deste rectângulo de chão triste.

Um abraço, Chanesco. Com a estima que me merece.
Jorge P.G.

a d´almeida nunes disse...

Amigo Chanesco

Estes seus versos são comovedores quase até às lágrimas do sentimento de revolta. E digo porquê. Será que não somos capazes de promover actividades económicas, nomeadamente de turismo rural, para cativarmos o regresso das pessoas aos seus lugares de origem? Nem precisavam de se cristalizar no mesmo sítio. Por temporadas, pelo menos.
A juventude continua a ir para o litoral, para as cidades?
C´os diabos! Será que é melhor estar enfuado num apartamento, andar horas a fio, no pára arranca do trânsito das cidades? Que vida é a de muitos de nós, que avançamos para as cidades como se fôssemos para o paraíso e encontramos o inferno, mal tendo tempo para dormir/descansar?
É de puxar pela cabeça! Por este andar, a malta das cidades, como Lisboa e Porto pelo menos, não ganham para viver!
Há que pensar no retorno e pôr ao serviço da comunidade as experiências, algumas bem amragas, que se adquiriram entretanto. Se calhar não será assim tão antiquado como isso voltar para as nossas terras!
...
Pensemos depressa!
Um abraço
António

Meg disse...

Querido Chanesco,

Mas este é o nosso País a morrer!
Ou já moribundo.
Só há aqui uma inverdade... é que NÂO SE SALVAM JÁ NEM OS VELHOS,
E DAS GLÓRIAS NENHUM SE ATREVE A FALAR, PARA DO PRESENTE NÃO TER DE SE ENVERGONHAR.

Sobram os poucos como tu e os que como nós, temos o privilégio de te ler. Aqui sim, pode-se falar das glórias.

Mas não mates o meu país, que ele não tem culpa de ser tratado como tem sido.
Hoje, com este poema, a minha alma ficou tão pequenina!

Um bom fim de semana, meu amigo.
E um abraço

Os velhos mais as velhas glórias

Tozé Franco disse...

Caro Channesco.
Ao ler este poema, excelente, pensei mais uma vez num país que se está a desiquilibrar em direcção ao Atlântico, enquanto o interior se vai desertificando.Um País que não aproveita a sabedoria dos sues idosos não é digno desse nome. Se calhar o mal é geral e eu já não sou deste tempo. Se calhar.
Um abraço.

eddy disse...

triste sina...esta!!! aldeias cheias de vida, hoje moribundas, vazias e tristes. tal como refere no seu poema: "gente que não conta (...) canta ao futuro...num beco sem saída". o que fazer???

um abraço.

Anónimo disse...

O abandono a que ficou sujeito o Portugal-Rural, é o resultado da globalização e das políticas agrícolas impostas pelos grandes da europa.
É o preço a pagar pelo facto de terem acabado abruptamente com a produção de tomate, de cereais, de tabaco etc., em benefício de outros países que agora cá despejam o que não necessitam.
Pelo andar da carruagem, que já soluça com o alto custo do combustível, nao tarda nada, estarão de volta as bestas e os arados.

Patch disse...

Na verdade, antes de acusar um "outro" anónimo e indefinível, sinto que cada um de nós, EU, por ex., tem culpa no evoluir desta situação de abandono, já que ,estando conscientes do problema nada fazemos para o resolver. Que tal, para variar, equacionarmos, nós os amantes das raízes, voltar à terra-mãe? Ou ...estaremos , como lamentadores militantes, isentos de culpa?

Anónimo disse...

Poema extraordinário, gostei imenso de o ler. Tem muito significado, dou-lhe os meus sinceros parabéns.

Cumprimentos e volte sempre,
Carlos Alberto Borges

Porca da Vila disse...

É o destino triste do interior votado ao abandono pelos senhores do Poder. Sinto-me feliz por ter resistido à tentação de partir também, mas triste por ver terras sem fim cobertas de mato, e aldeias sem conta em que já quase não se vê ninguém! Raios partam os tais senhores...

Xi Grande

Meg disse...

Querido Chanesco,

Pegando nas palavras na nossa amiga Porca, é realmente um crime o que se está a fazer.

Por estes lados onde vivo, PARA O INTERIOR, bem interior, há daqui a pouco mais estangeiros idosos e menos idosos do que portugueses.
Eles não procuram a cidade para viver, porque a cidade não dá qualidade de vida.
Será que nós não iremos chegar à mesma conclusão.
Até porque não me consta que estejam a fechar cemitérios (que raio de humor negro!)
Deve ser a única coisa que fica por lá.
Um abraço e bom fim de semana.