sexta-feira, julho 14

20:2006 - A marrada



O campeonato do mundo já se acabou há uns dias, mas só hoje vou poder retirar a minha bandeira da janela, colocando este post em sua substituição.
Portugal portou-se bem. Podemos dizer que não fomos campeões do mundo mas ganhamos o nosso campeonato, o do reconhecimento.
Se ti João Páscoa estivesse ainda entre nós, ele que não perdia um relato radiofónico fosse de que acontecimento desportivo fosse - futebol, hóquei, ciclismo - num tempo em que a televisão não tinha conceito, diria inevitavelmente, sempre que o seu favorito não perdia, com aquela firmeza que fazia dele um homem sempre confiante: "Menos mal!"
Um campeonato completamente atípico.
Fazendo o balanço do CM2006 até às vésperas do nosso jogo com a Alemanha, o jornalista francês Stéphane REGY, do jornal Libération, escreveu um artigo intitulado "Touche de caractère" (para os menos afoitos no francês, touche é a linha lateral do relvado, sendo, neste caso, o banco do treinador).
Realista, sem facciosismos bacocos e sobretudo imparcial, nesse artigo é feito o elogio ao trabalho dos treinadores, principalmente os das equipas melhor sucedidas, que atingiram o patamar mais alto da competição, relegando para segundo plano as exibições individuais dos jogadores. Para ele, neste campeonato foi praticado um "futebol de autor".
O artigo começava por salientar uma frase de Guus Hiddink no início da prova que dizia:" O melhor jogador da Itália é o seu seleccionador" e efectivamente veio a verificar-se.
Se nos lembrarmos que o jogador Ribéry, numa conferência de imprensa antes do jogo França-Portugal, ironizou acerca do Scolari, dizendo exactamente o mesmo. A verdade é que, sem querer, acertou em cheio, indo de encontro à opinião de Stéphane REGY.
Alinhando ainda por uma alusão ao cinema, diz ele de Luiz Felipe Scolari, considerando-o o sósia oficial de Gene Hachman: - … é uma espécie de filosofo que pratica a "arte da guerra Sun Tzu" nos balneários.
- Klinsmman é o renovo do futebol Alemão.
- Lippi impôs-se dando um abanão nos velhos hábitos que dissociavam a palavra "squadra" da palavra"palmarés".
E continuando os elogios diz ele:
-
No país do "coaches", e com o aproximar da "Photo-finish", o CM2006 já designou os seus vencedores. Os apologistas do "coaching high-tech" dão pelo nome de Klinsmann, Lippi et Scolari e fazendo fé no que se diz a seu respeito, poderiam ser candidatos ao "Ballon d’or" em Dezembro próximo.
Ao treinador da França, não lhe retirando completamente o mérito de ter atingido esse patamar, "acusa-o" de se refugiar atrás do nome de Zidane e aguentar a imposição do regresso de alguns jogadores mais velhos, que, apesar de tudo, veio reforçar o espírito de grupo da equipa em redor do capitão.
Domenech, referindo-se a nós, foi provavelmente o treinador que mais infringiu a ética profissional, vindo posteriormente a emendar a mão relativamente a declarações proferidas anteriormente:
"Ne les réduisez pas à ces tricheries. Vous n'avez pas le droit, c'est une belle équipe qui a fait beaucoup de choses"
"a equipa portuguesa não é aquilo que dizem (ou aquilo que ele quis que dissessem – digo eu), mas sim um grupo de bravos jogadores, bem comandados por um excelente treinador".
Treinador é aquele que ensina uma equipa a não sofrer – Treina-lhe a dor.
A Itália saiu campeã por ter sido a equipa mais realista, depois de a França ter claudicado, em que o gesto, absurdo e irreflectido, de Zidane foi bem o reflexo disso.
É bem provável que o Italiano se tenha abeirado dele para lhe elogiar a mãe, e ele não foi de modas.
Para o bem ou para o mal, este gesto ter-lhe-á valido a nomeação para melhor jogador do torneio?
Apesar de tudo, neste campeonato do futebol de autor ele foi um dos últimos que praticou futebol de actor.
Ele que espalhou o perfume do futebol pelos estádios dos quatros cantos do planeta. Ele que, em Madrid, deliciou os espectadores, domando adversários com verónicas e chicuelinas, tão ao gosto espanhol, ao som de olés e passodobles, acaba a carreira desempenhando o papel de "O touro enraivecido".
Agora…
Transferindo este episódio para um tempo sitado aí uns 30 anos antes, passado no Vale da Gama, já ali para as bandas de do léque de Segura, onde o ti Mné Nogueira era o moiral.
O ti Mné Correia, grande lavrador, com três juntas, todas a lavrar, foi lá com uma vaca à cobrição.
A vaca foi posta à vontade dentro da cerca para a qual dava o curral, onde estava preso o touro que já era pai de uma manada. Não se sabendo se a Margaça perdera a lua pelo caminho, o certo é que o touro cortejou, cortejou, cheirou, cheirou, saltou, saltou, mas a vaca nunca se deixou por.
Dado algum tempo de espera, o ti Nogueira, concluindo que o animal se desinteressara, enlaçou-lhe a arreata nos cornos e foi prendê-lo à manjedoura. O touro deve ter-se sentido ferido na sua honra por ter sido retirado à fêmea e vai, espeta uma cornada no tratador deixando-o de tripa à banda.
- Ai-ai, ai-ai!- e o ti Mné Correia lá acudiu, arranjando maneira de levar o moiral ao hospital de Idanha, onde ficou cerca de quinze dias.
Durante uma visita de familiares que já sabiam da história disse-lhe um cunhado:
- Se calhar chamaste-lhe pandeleiro e ele virou-se a ti.
O Manel Nogueira, já recomposto e pronto p'ra paródia, contou então a sua versão do sucedido:
-
Antes fosse. Quando é com ele não se importa, o pior é quando lhe tocam na família.
É que o cabrão, quando eu o estava a prender, a ferver por ter visto fugir os cem mil réis do salto, puxei-lhe a corda e disse-lhe ao ouvido que a mãe era uma vaca e ele não se foi de modas.

2 comentários:

Maria Araújo disse...

Mais uma bela dissertação!
Muitos parabéns!=)

segurademim disse...

... pois a marrada foi forte! o outro caiu, desamparado

moral da história - mas que ganda tourada!!!!!

(não! falamos alto, rimos muito, comemos polvo, demos gracias à la vida e brindamos com alvarinho... satisfeita a curiosidade???)